Lição 1- O Evangelho Segundo Lucas




Lição do 2º trimestre de 2015 - Jesus, o Homem Perfeito:
O Evangelho de Lucas, o Médico Amado.
Comentário das lições será feito pelo Pastor: José Gonçalves
Complementos, ilustrações, questionários e vídeos: Ev. Luiz Henrique de Almeida Silva

TEXTO ÁUREO
"Para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado." (Lc 1.4)

VERDADE PRÁTICA
O cristão possui uma fé divinamente revelada e historicamente bem fundamentada.

LEITURA DIÁRIA
Segunda - Lc 3.1,2O cristianismo no seu cenário histórico
Terça - Lc 1.1-4O cristianismo se fundamenta em fatos
Quarta - Lc 16.16O cristianismo no contexto bíblico
Quinta - Lc 2.23-28O cristianismo em seu aspecto universal
Sexta - Lc 1.35; 5.24O cristianismo e a deidade de Jesus
Sábado - Lc 4.18O cristianismo e o Ministério do Espírito

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE - Lucas 1.1-4
1 Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, 2 segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, 3 pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, 4 para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado.

OBJETIVO GERAL
Apresentar um panorama do Evangelho de Lucas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Apresentar o terceiro Evangelho.
Conhecer os fundamentos e historicidade da fé cristã.
Afirmar a universalidade da fé cristã.
Expor a identidade de Jesus, o Messias esperado.
 
INTERAGINDO COM O PROFESSOR

Prezado professor, neste segundo trimestre estudaremos a respeito do terceiro Evangelho, cujo autor é Lucas, o médico amado. Seu relato é um dos mais completos e ricos em detalhes a respeito do nascimento e infância do Salvador. Lucas era um gentio, talvez por isso, em sua narrativa, procure apresentar a Jesus como o Filho do Homem. Ele apresenta o Salvador como o Homem Perfeito que veio salvar a todos, judeus e gentios. 
O comentarista deste trimestre é o pastor José Gonçalves - professor de Teologia, escritor e vice-presidente da Comissão de Apologética da CGADB.
Que mediante o estudo de cada lição você possa conhecer mais a respeito do Filho de Deus, que se fez homem e habitou entre nós. 
Tenha um excelente trimestre.

PONTO CENTRAL - O plano da salvação do cristianismo pode ser localizado com precisão dentro da história.

Resumo da Lição 1- O Evangelho Segundo Lucas
I - O TERCEIRO EVANGELHO
1. Autoria e data. 
2. A obra. 

3. Os destinatários originais.
II - OS FUNDAMENTOS E HISTORICIDADE DA FÉ CRISTÃ
1. O cristianismo no seu contexto histórico.
2. Discipulado através dos fatos.
III - A UNIVERSALIDADE DA SALVAÇÃO
1. A história da salvação.
2. A salvação em seu aspecto universal.
IV - A IDENTIDADE DE JESUS, O MESSIAS ESPERADO
1. Jesus, o homem perfeito.
2. O Messias e o Espírito Santo. 

SÍNTESE DO TÓPICO I - Lucas, o médico amado, é o autor do terceiro Evangelho, que foi endereçado a Teófilo, um gentio
SÍNTESE DO TÓPICO II - A veracidade dos fatos narrados por Lucas pode ser comprovada pela história.
SÍNTESE DO TÓPICO III - Todos estão incluídos no plano salvífico de Deus: gentios e judeus
SÍNTESE DO TÓPICO IV - Lucas apresenta Jesus como o Filho de Deus e o Filho do Homem, ressaltando tanto a sua humanidade quanto a sua divindade.

SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO

"Lucas inicia seu Evangelho com uma declaração especial: ele mesmo havia se 'informado minuciosamente de tudo [sobre a vida de Jesus] desde o princípio' (1.1-4). Dessa forma, o Evangelho de Lucas é um relatório cuidadoso e historicamente exato do nascimento, ministério, morte e ressurreição de Jesus. Contudo, ao lermos Lucas percebemos que a sua obra não é uma repetição monótona das datas e ações. A escrita de Lucas é vívida, nos atraindo para dentro dos eventos que ele descreve. A escrita de Lucas também exibe uma fervorosa sensibilidade quanto aos detalhes pessoais íntimos" (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 133).

SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO
"Lucas presta bastante atenção aos eventos que ocorreram antes do nascimento de Jesus, uma atenção maior que aquela que os outros evangelistas dedicaram ao assunto" (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007, p. 134).

SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO
"A Verdadeira Identidade do Filho
Os aspectos-chave na vida de Jesus ajudaram os primeiros cristãos a perceber, de uma forma nova e única, que Ele era o 'Filho de Deus'.
- A encarnação. Jesus foi concebido pelo poder do Espírito Santo de Deus, e não por um pai humano.
- O reconhecimento por Satanás e pelos demônios. Enquanto a identidade verdadeira de Jesus, durante seu ministério terreno, estava velada para seus discípulos, ela foi reconhecida por Satanás (Mt 4.3,6) e pelos demônios (Lc 8.28).
- A ressurreição e ascensão. A ressurreição representou a confirmação de Deus de que Jesus falava a verdade sobre si mesmo. Paulo apontou a ressurreição como a revelação ou declaração da verdadeira identidade de Jesus como Filho de Deus (Rm 1.4). (Guia Cristão de Leitura da Bíblia. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2013, pp. 34,35).

PARA REFLETIR
Sobre os ensinos do Evangelho de Lucas, responda:
A quem é atribuída a autoria do terceiro Evangelho?
A autoria é atribuída a Lucas, o médico amado.
Como devemos entender o termo "informado" usado por Lucas no capítulo 1 do seu Evangelho?
O vocábulo significa também "doutrinar", "ensinar" e "convencer".
Como Jesus é revelado no Evangelho de Lucas?
Ele é revelado como "Filho de Deus" e "Filho do Homem".
As expressões "Filho do Homem" devem ser entendidas em que sentindo no terceiro Evangelho?
Devem ser entendidas como expressões que mostram o relacionamento de Jesus com a humanidade.
De acordo com a lição, como é considerado o terceiro Evangelho?
Ele é considerado a coroa dos Evangelhos Sinóticos.
 
CONSULTE
Revista Ensinador Cristão - CPAD, nº 62, p. 37.

SUGESTÃO DE LEITURA
Comentário de Lucas: À Luz do NT Grego
Introdução ao Novo Testamento
Lucas: O Evangelho do Homem Perfeito

Comentários de Vários autores com alguns acréscimos do Ev. Luiz Henrique:
O PROPÓSITO DE LUCAS
Introdução
Lucas, o médico amado, não foi um apóstolo nem tampouco foi uma testemunha ocular da vida de JESUS, todavia deixou uma das mais belas obras literárias já escritas sobre os feitos do Salvador e os primeiros anos da comunidade cristã.
A narrativa de Lucas descreve, com riqueza de detalhes, o ministério terreno de JESUS, como ele nasceu, cresceu, libertou os oprimidos, formou os seus discípulos, morreu pendurado em uma cruz e ressuscitou dos mortos.·. 
O terceiro Evangelho possui uma forte ênfase carismática. Mais do que qualquer outro evangelista ou escrito do Novo Testamento, Lucas dá amplo destaque à pessoa do ESPÍRITO SANTO durante o ministério público de JESUS até sua efusão sobre os cristãos primitivos. Nesse aspecto, a obra de Lucas deve ser entendida como um compêndio de dois volumes, onde o segundo volume, Atos dos Apóstolos, é entendido a partir do primeiro, o terceiro Evangelho, e vice-versa.
Um erro bastante comum cometido por vários teólogos, principalmente aqueles que não creem na atualidade dos dons espirituais, é tentar “paulinizar” os escritos de Lucas. Por não entenderem o pensamento lucano, não o vendo como teólogo como de fato ele era, mas apenas como um historiador tenta interpretá-lo à luz dos escritos de Paulo. Evidentemente que toda Escritura é inspirada por DEUS e que o princípio da analogia é uma das ferramentas básicas da boa exegese, todavia isso não nos dá o direito de transformar Lucas em mero coadjuvante da teologia paulina. Em outras palavras, Paulo deve ser usado para se compreender corretamente Lucas, mas também Lucas deve ser consultado para se quer entender, de fato, o que Paulo escreveu.
Esse entendimento se torna mais ainda relevante quando aplicamos essa metodologia em relação aos carismas do ESPÍRITO narrado no terceiro Evangelho, em Atos dos Apóstolos e nas epístolas paulinas. Se Paulo foi um teólogo, possuindo independência para falar dos dons do ESPÍRITO, Lucas da mesma forma também o foi e seu pensamento é tão relevante quanto o de Paulo. Nesse aspecto Lucas não deve ser entendido apenas como um narrador de fatos históricos, mas como um teólogo que escreveu a história.
Este livro mostra faceta dessa abordagem metodológica na interpretação de Lucas, mas não segue o modelo adotado nos comentários de natureza puramente expositiva como são, por exemplo, as obras de Leon Morris, William Hendriksen, Fritz Rienecker, J.C. Ryle e outros. Isso tem uma razão de ser — o presente texto não é um comentário versículo por versículo do evangelho de Lucas, nem mesmo capítulo por capítulo. Antes, é uma abordagem temática dos principais fatos ocorridos durante o ministério público de JESUS, como por exemplo, seu nascimento, crescimento, morte e ressurreição. Tendo sido escrito como texto de apoio às Lições Bíblicas de Jovens e Adultos da Escola Dominical esse tipo de abordagem permite trazer um comentário mais exaustivo sobre cada tema, mas, sem dúvida, limita um estudo mais expositivo do texto bíblico. Isso explica, por exemplo, o porquê de determinados textos, mesmo sendo importantes dentro do contexto da teologia lucana, não terem sido abordados aqui.
Procurando fugir do tecnicismo das obras de natureza puramente exegética, até mesmo por seguir a estrutura das Lições Bíblicas a quem serve de apoio, o presente livro primou por ser mais de natureza devocional-Teológica. Isso não significa que a exegese e os princípios bíblicos de interpretação foram relegados ao segundo plano. Não! Todavia procurou o presente texto dialogar com o leitor por saber que muitos deles, alunos da ED, não tiveram acesso ao intrincado mundo das enfadonhas regras gramaticais.
Que o Senhor abençoe a cada leitor deste livro.
O Propósito de Lucas
Metodologia
Ao estudarmos uma obra literária, precisamos, dentre outras coisas, levar em conta a sua autoria e data, o tipo de gênero literário, o seu destinatário e o propósito para o qual ela foi escrita. Essa metodologia é importante não apenas para o estudo de textos bíblicos, mas também para qualquer obra da literária universal. A sua observância garantirá que o intérprete não chegue a conclusões equivocadas e diferentes daquelas que tencionou o autor.
O estudante da Bíblia deve, portanto, ter isso em mente quando estuda o terceiro Evangelho. Roger Stronstad, teólogo de tradição pentecostal canadense, demonstrou, por exemplo, que uma metodologia errada na análise do Evangelho de Lucas tem levado vários estudiosos a chegarem a conclusões teológicas igualmente erradas. 1 Esses equívocos têm como subprodutos uma fé e prática cristã diferente daquela desenhada nas obras de Lucas.
Ao analisar, por exemplo, os contrastes existentes no desenvolvimento histórico da doutrina do ESPÍRITO SANTO nas diferentes tradições cristãs, Stronstad observa que “essa divisão não é simplesmente teológica. No fundo, o assunto tem diferenças hermenêuticas ou metodológicas fundamentais. Essas diferenças metodológicas surgem dos diversos gêneros literários e são da mesma extensão que estes. Por exemplo, há que deduzir a teologia do ESPÍRITO SANTO de Lucas de uma “história” de dois volumes sobre a fundação e o crescimento do cristianismo, dos quais se classifica o volume um como um Evangelho e o volume dois como Atos. Por contraste, temos que derivar a teologia do ESPÍRITO SANTO de Paulo de suas cartas, as quais dirigiu às igrejas geograficamente separadas em diferentes ocasiões de suas jornadas missionárias. Estas cartas são circunstanciais, quer dizer, tratam de alguma circunstância particular: por exemplo, notícias de controvérsias (Gálatas), respostas às perguntas específicas (1 Coríntios) ou planos para uma visita vindoura (Romanos). Assim que, à medida que Lucas narra o papel do ESPÍRITO SANTO na história da igreja primitiva, Paulo ensina a seus leitores acerca da pessoa e ministério do ESPÍRITO”.
Autoria
Como veremos mais adiante, a tradição que atribui autoria lucana para o terceiro Evangelho é muito antiga. No texto bíblico, as referências ao “médico amado” são Colossenses 4.14; 2 Timóteo 4.11 e Filemon 24. Todavia assim como outros escritos do Novo Testamento, o terceiro Evangelho também não traz grafado o nome de seu autor.
Evidências internas da autoria lucana
Diferentemente de outros livros neotestamentários que são anônimos, o terceiro Evangelho deixou pistas que permitiram à igreja atribuir a Lucas, o médico amado, a sua autoria. Alguns desses indícios internos listados pelos biblistas são:
1. Tanto o livro de Lucas como o livro de Atos são endereçados a uma pessoa identificada como Teófilo. “Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio” (Lc 1.3), “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que JESUS começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado mandamentos, pelo ESPÍRITO SANTO, aos apóstolos que escolhera; aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de DEUS” (At 1.1-3).
2. Como vimos, o livro de Atos se refere a outro livro que fora escrito anteriormente (At 1.1), que sem dúvida alguma se trata do terceiro Evangelho. Quem escreveu Atos dos Apóstolos, portanto, escreveu também o terceiro evangelho.
3. O estilo literário e as características estruturais de Lucas e Atos apontam na direção de um só autor;
4. Muitos temas comuns ao terceiro Evangelho e Atos não são encontrados em nenhum outro lugar do Novo Testamento. Por exemplo, a ênfase na ação carismática do ESPÍRITO SANTO sobre JESUS e seus seguidores (Lc 24.49; At 1.4-8). Devemos observar ainda, como destaca Walter Liefeld, dentro dessa perspectiva, que o autor de Lucas e Atos não foi uma testemunha ocular dos feitos de JESUS, mas um cristão da segunda geração que se propôs a documentar a tradição existente sobre JESUS e o andar dos primeiros cristãos. Na passagem de Atos 16.10-17, a referência a primeira pessoa do plural (nós) além de revelar que Lucas era um dos companheiros de Paulo na segunda viagem missionária mostra também que era ele quem documentava esses registros:
“E, logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho. E, navegando de Trôade, fomos correndo em caminho direito para a Samotrácia e, no dia seguinte, para Neápolis; e dali, para Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia e é uma colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade. No dia de sábado, saímos portas, para a beira do rio, onde julgávamos haver um lugar para oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. E certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a DEUS, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. Depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa e ficai ali. E nos constrangeu a isso. E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma jovem que tinha espírito de adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Esta, seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do DEUS Altíssimo” (At 16.10-17).
Essas evidências internas, sem sombra de dúvidas, apontam a autoria lucana do terceiro Evangelho. A propósito, em 1882 o escritor W.K. Hobart em seu livro: A Linguagem Médica de Lucas demonstrou a existência de vários termos médicos usados no terceiro Evangelho, o que confirmaria a autoria lucana. Posteriormente a obra O Estilo Literário de Lucas, escrita por H. J. Cadbury tentou mostrar que não somente Lucas usou termos médicos em sua obra, mas que outros escritores, mesmo não sendo médicos, fizeram o mesmo. Mas como bem observou William Hendriksen, quando se faz um paralelo entre Lucas e os demais Evangelhos Sinóticos observa-se a peculiaridade do vocabulário médico empregado por Lucas. Hendriksen comparou, por exemplo, Lucas 4.38 com Mateus 8.14 e Marcos 1.30 (a natureza ou grau da febre da sogra de Pedro); Lucas 5.12 com Mateus 8.2 e Marcos 1.40 (a lepra); e Lucas 8.43 com Marcos 5.26 (a mulher e os médicos). Ainda de acordo com Hendriksen, podem-se acrescentar facilmente outros pequenos toques. Por exemplo, somente Lucas declara que era a mão direita que estava seca (6.6, cf. Mt 12.10; Mc 3.1); e entre os escritores sinóticos, somente Lucas menciona que foi a orelha direita do servo do sumo sacerdote a ser cortada (22.50; cf. Mt 26.51 e Mc 14.47). Compare também Lucas 5.18 com Mateus 9.2,6 e Marcos 2.3, 5, 9; e çf. Lucas 18.25 com Mateus 19.24 e Marcos 10.25. Além do mais, conclui Hendrinksen, embora seja verdade que os quatro Evangelhos apresentam CRISTO como o Médico compassivo da alma e do corpo, e ao fazê-lo revelam que seus escritores também eram homens de terna compaixão, em nenhuma parte é este traço mais abundantemente notório que no Terceiro Evangelho.
Evidências externas da autoria lucana
Além dessas evidências internas, há também diversas evidências externas, que fazem parte da tradição cristã, atestando a autoria lucana para o terceiro Evangelho. Uma delas, o cânon muratoriano, escrita em cerca de 180 d.C., confirma a autoria de Lucas: “o terceiro livro do Evangelho, segundo Lucas, que era médico, que após a ascensão de CRISTO, quando Paulo o tinha levado com ele como companheiro de sua jornada, compôs em seu próprio nome, com base em relatório”. Em cerca de 135 d.C., antes portanto do Cânon muratoriano, Marcião, o herege, também atesta a autoria de Lucas para o terceiro Evangelho. Testemunho confirmado posteriormente por Irineu (Contra as Heresias, 3.14-1) e outros escritores posteriores.
Data de Composição da Obra
A data da composição do terceiro evangelho é mais bem definida pelos biblistas quando se leva em conta alguns fatores. Por exemplo, se Lucas valeu-se do Evangelho de Marcos como uma de suas fontes, nesse caso é preciso situá-lo em data posterior ao escrito de Marcos que foi redigido alguns anos antes do ano 70 d.C. Segundo, se Lucas é o primeiro volume de uma obra em dois volumes (Lucas-Atos), como se acredita que é, fica bastante evidente que o terceiro Evangelho foi compilado antes dos Atos dos Apóstolos. Nesse caso será preciso primeiramente datar o livro de Atos. Os eruditos acreditam que, levando-se em conta uma análise detalhada do livro de Atos dos Apóstolos, a data para sua redação está entre 61 a 65 d.C. Em Terceiro lugar, a data para a redação de Lucas dependerá também de como se interpreta o sermão feito por CRISTO sobre a destruição de Jerusalém (Lc 21.8-36). Nesse caso, argumentam os críticos, Lucas escreveu depois da destruição de Jerusalém no ano 70 visto ter feito referência aos fatos ocorridos nessa data. Esse argumento é fraco, visto que CRISTO proferiu uma profecia sobre os eventos do fim e que tiveram início na destruição de Jerusalém. E o que os teólogos denominam de vaticinium ex eventu, isto é, uma profecia que é feita antes que o evento ocorra. Em quarto lugar, muitos críticos argumentam em favor de uma data mais tardia para Lucas, porque segundo eles, algumas situações mostradas nas obras de Lucas demonstrariam situações que ainda não existiam nos anos 60 e 70 d.C. Mas esse é um argumento que não se sustenta pelas mesmas razões já expostas anteriormente. 6 Em resumo, Lucas redigiu sua obra entre os anos 60 e 70, sendo que alguns estudiosos opinam para a primeira parte dessa década enquanto outros pela segunda. Seja como for, isso em nada altera aquilo que Lucas escreveu.
Gênero Literário
Compreender a que tipo de gênero literário pertence o terceiro Evangelho é crucial para uma correta compreensão do seu texto. Isso se torna mais relevante ainda quando se estuda o papel que o ESPÍRITO SANTO ocupa na teologia lucana. Já há algum tempo, a perspectiva teológica que via as obras de Lucas apenas como biografia e história vêm sendo abandonadas pelos biblistas. Em 1970 o conceituado teólogo I. Howard Marshall chamou a atenção para o fato de que Lucas não poderia ser visto mais como um simples historiador, mas como um teólogo que escreveu a história. Em outras palavras, Lucas não apenas documentou os fatos, mas escreveu suas obras tendo em mente um propósito teológico definido. Nesse aspecto, observa o escritor Luís Fernando Garcia-Viana, “Lucas é o teólogo da história da salvação: a história de Israel ou tempo da preparação; JESUS como centro do tempo (Lc 16.16); e o tempo da missão ou da igreja, que se inicia com a Ascensão e o Pentecostes”.
Quando se reduz as obras de Lucas apenas à sua dimensão histórica, forçosamente se é tentado a vê-las apenas como material de natureza narrativa ou descritiva e sem nenhum valor didático. Esse é um erro que precisamos evitar a todo custo. Por muitos anos esse era o entendimento que dominava os círculos teológicos graças às obras dos teólogos John Stott e Gordon D. Fee. Partindo de uma metodologia que atribui apenas valor narrativo e não didático à obra de Lucas, tanto Sott como Fee acabaram por mutilar o caráter claramente carismático do texto lucano. A esse respeito, Stott escreveu:
“Se deve buscar a revelação do propósito de DEUS nas Escrituras nas partes didáticas, e jamais em sua porção histórica. Mais precisamente devemos buscá-la nos ensinos de JESUS e nos sermões e escritos dos apóstolos e não nas porções puramente narrativas de Atos”.
Esse é um exemplo clássico de falácia exegética, pois anula uma máxima bíblica na qual se afirma que toda Escritura é inspirada por DEUS e é útil para o nosso ensino (2 Tm 3.16; Rm 15.4). Por outro lado, não leva em conta o caráter didático das narrativas veterotestamentária usadas por Paulo quando instrui os primeiros cristãos (Rm 4.1-25;
1 Co 10.1-12; G1 3.6-14). A propósito, após ver sua argumentação ser contraditada por Roger Stronstad, o anglicano John Stott voltou atrás e fez emendas em sua tese:
“Não estou negando que narrativas históricas têm uma finalidade didática, pois é claro que Lucas era tanto um historiador e um teólogo; Estou afirmando que a finalidade didática de uma narrativa nem sempre é evidente em si mesma e por isso muitas vezes precisa de ajuda interpretativa de outro lugar nas Escrituras”.
Lucas, portanto, foi um teólogo que escreveu a história e ao assim proceder o fez com um fim didático. Primeiramente ele mostra no seu Evangelho a história da Salvação se revelando de uma forma especial e chegando ao seu clímax com JESUS, o Messias prometido. O ESPÍRITO do Senhor, que agiu sobre os antigos profetas e que seria um sinal distintivo do Messias (Is 61.1; Lc 4.18), estava sobre JESUS capacitando-o a realizar as obras de DEUS. No segundo volume da sua obra, Atos dos Apóstolos, ele demonstra que essa história da Salvação não sofreu solução de continuidade, pois o mesmo JESUS, na pessoa do ESPÍRITO SANTO, continuou presente em seus seguidores. O Messias cumpriu as profecias e derramou o ESPÍRITO SANTO sobre toda a carne (Jl 2.28; At 2.33; 5.32). Não há dúvidas, portanto, que a teologia lucana mostra de forma inequívoca que as mesmas experiências dos cristãos primitivos serviriam de parâmetro para todos os crentes na história da igreja.
Propósito
A fé cristã no seu contexto histórico
E inegável que Lucas, como um teólogo, demonstrou um grande interesse pelos fatos históricos quando redigiu sua obra. O prólogo, escrito a Teófilo, que se acredita ser um gentio de alta posição social, atesta isso. “Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado” (Lc 1.1-4).
O que pretendia, portanto, o autor do terceiro Evangelho ao documentar sua obra? Lucas procura narrar a história; mas não a história como se entende hoje em seu sentido secular ou positivo, que se prende apenas à narrativa das ações humanas.14 Ele narra a história da Salvação. A história de Lucas é a história da ação de DEUS entre os homens e como ele demonstra a sua soberania entre eles! Dentro desse contexto o seu interesse era mostrar os fatos sobre os quais o evangelho estava fundamentado; estabelecer o vínculo entre o cristianismo e o judaísmo, revelando dessa forma que a fé cristã possuía raízes judaicas; deixar claro que o cristianismo não veio para competir com o império romano, mostrando assim que ele não era uma ameaça política à autoridade do império.
Uma Teologia Carismática
Como um escritor inspirado e um teólogo cristão, Lucas mostra que o tempo do cumprimento das promessas de DEUS, preditas nos antigos profetas, havia chegado. Fica claro para ele que o advento do cristianismo foi precedido pela renovação do ESPÍRITO profético. O último profeta, Malaquias, havia silenciado cerca de quatrocentos anos antes. Esse hiato entre os dois testamentos é conhecido como período interbíblico. Agora esse silêncio é rompido, primeiramente pelo anúncio feito a Zacarias, pai de João Batista (Lc 1.13) e posteriormente a Maria, a mãe de JESUS (Lc 1.28). É, contudo, no ministério de João Batista, que Lucas mostra a restauração da antiga profecia bíblica: “E, no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, e Herodes, tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de DEUS a João, filho de Zacarias” (Lc 3.1-2).
Essa restauração da antiga profecia bíblica, como veremos em capítulos posteriores, é importante no contexto da teologia carismática de Lucas. Já foi dito que Lucas escreveu uma obra em dois volumes e esse é um fato importante porque essa homogeneidade nos ajuda compreender a ação do ESPÍRITO SANTO na teologia Lucas-Atos. No Evangelho, Lucas mostra o ESPÍRITO atuando sobre o Messias e capacitando-o para realizar as obras de DEUS como havia sido prometido nas profecias (Lc 4.18; Is 61.1). Por outro lado, no livro de Atos está o cumprimento da promessa do Messias de derramar esse mesmo ESPÍRITO sobre os seus seguidores (Lc 11.13; 24.49; At 1.8). Em outras palavras, o mesmo revestimento de poder que estava sobre JESUS CRISTO e que o capacitou a curar os enfermos, ressuscitar os mortos e expulsar os demônios seria também dado a seus seguidores quando ele fosse glorificado. “De sorte que, exaltado pela destra de DEUS e tendo recebido do Pai a promessa do ESPÍRITO SANTO, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2.33); “nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o ESPÍRITO SANTO, que DEUS deu àqueles que lhe obedecem” (At 5.32).
A História da Salvação
A história da Salvação no terceiro Evangelho é revelada em seu aspecto particular e universal. Sem dúvida a ênfase maior está na universalidade da Salvação. JESUS veio para os judeus, mas não somente para estes, ele veio também para os gentios. A Salvação é para todos! Esse princípio teológico de Lucas fica em evidência quando se observa o lugar que os excluídos ocupam nos seus registros. No anúncio do nascimento de JESUS feito pelos anjos aos camponeses foi dito: “Vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo” (Lc 2.10).
Todo o povo, e não apenas os judeus, era objeto da graça de DEUS. E inegável a atenção que se dá aos pobres, excluídos e marginalizados no Evangelho de Lucas. O ESPÍRITO SANTO estava sobre JESUS para “evangelizar os pobres” (Lc 4.18). É interessante observarmos que a palavra grega ptochoi, traduzida como pobres, significa alguém que possui alguma carência. E exatamente esses carentes que JESUS irá priorizar em seu ministério. Ele dará grande atenção aos publicanos, pecadores, mulheres e aos samaritanos que eram discriminados naquela cultura (Lc 5.32; 7.34-39; 9.51-56; 10.3; 15.1; 17.16; 18.13; 19.10).
Essa Salvação predita pelos profetas, anunciada pelos anjos e declamada em forma poética pelo sacerdote Zacarias e Maria, mãe de JESUS, é também de natureza escatológica. A teologia lucana mostra João anunciando a chegada do Reino e JESUS estabelecendo-o durante o seu ministério. Todavia esse Reino inaugurado pela manifestação messiânica (Lc 4.43; 8.1; 9.2; 17.21) ainda não está revelado em toda a sua extensão. Já podemos, sim, viver a sua realidade no presente, mas a sua plenitude somente na sua parousia (At 1.6-11).
Essa é a nossa esperança!
José Gonçalves. Lucas, O Evangelho de JESUS, o Homem Perfeito. Editora CPAD. pag. 11-21

LUCAS O TEÓLOGO
As pessoas escreviam, antigamente, livros e artigos com títulos tais como “Lucas o Historiador.” A discussão centralizava-se em derredor da questão de se Lucas era um bom ou um mau historiador, mas normalmente aceitava-se que ele realmente pretendia escrever historia. Nos tempos recentes, no entanto, muitos estudiosos estão prestando atenção ao profundo propósito teologico que claramente subjaz Lucas-Atos. Lucas agora e geralmente considerado um dos teólogos do Novo Testamento e é visto como sendo mais interessado em transmitir verdades religiosas e teológicas do que em escrever uma historia. De fato, o pendulo avançou tanto nesta direção que muitos sugerem que o interesse de Lucas na teologia era tão grande que permitiu que afetasse seu juízo histórico. Noutras palavras, dizem que Lucas estava disposto a alterar um pouco a sua historia se isto ressaltasse suas lições teológicas. Podemos começar nossa discussão deste argumento ao notar que Lucas não nos deixou no escuro quanto as suas intenções. Informa-nos que fez acurada investigação de “tudo” durante algum tempo, e que agora escreve para Teófilo “para que tenhas plena certeza das verdades em que foste instruído’* (1:4). “Isto,” escreve F. C. Grant, “está tão claro e direto quanto a explicação em João 20:30-31. . . sua intenção era esclarecer
“pontos de mal-entendimento ou deturpação que (supõe-se) tinham surgido no mundo pagão e ate mesmo (talvez) nos tribunais dos magistrados romanos.” Mas nem todos viram a coisa dessa maneira. Alguns dos críticos da
forma, por exemplo, viram Lucas como sendo pouco mais do que um compilador, um editor que ajuntou uma serie de incidentes e ditos desconexos (veem Mateus e Marcos da mesma maneira).
A Crítica da Forma foi chamada por Vincent Taylor “a filha da decepção.” Surgiu depois de os críticos acharem que tinham levado tão longe quanto possível a hipótese dos dois documentos. Foi uma tentativa seria no sentido de ir alem das fontes, ate chegar ao tempo quando a informação acerca de JESUS circulava somente na tradição oral. Somente partes da massa muito grande de matéria originalmente disponível seriam preservadas. À medida que as historias e ditos eram narrados e repetidos, assumiram certas formas fixas. E o estudo destas formas que da a Crítica da Forma seu nome. Algumas historias, por exemplo, culminam num dito notável, e parece que eram contadas por causa do dito. Os pormenores da historia não são importantes, mas o dito o e. R. Bultmann chama estas historias de “Apotegmas” e Vincent Taylor, de “Historias de Pronunciamentos.” Tais historias são manifestamente diferentes, quanto à forma, das historias de milagres. Outras “formas” também são detectadas. O estudo das formas em que a tradição oral circulava e obviamente de valor. A maioria dos Críticos da Forma, no entanto, vai alem disto. Pressupõem que aqueles que transmitiam a tradição oral estavam tão interessados nas necessidades dos seus próprios dias que viram JESUS, não conforme Ele era, mas, sim, conforme falava as suas próprias necessidades contemporâneas. Noutras palavras, atribuíam aos ensinos de JESUS um sentido que achavam necessário na sua própria situação.
Isto claramente vai alem de um estudo das formas. Uma suposição adicional destes críticos e que a tradição foi transmitida em unidades isoladas: não havia qualquer narrativa conexa. Os Críticos da Forma falam da destruição do arcabouço da vida de JESUS. Quando os Evangelistas começaram a escrever seus Evangelhos, conforme este modo de entender a situação acharam-se confrontados com uma serie de unidades desconexas que forcosamente tinham de enfileirar como contas num fio. Foi removida, destarte, qualquer possibilidade de ver movimento e desenvolvimento na historia de JESUS. Os Críticos da Forma normalmente são um pouco céticos. Tem tanta certeza de que o que temos na tradição oral e o JESUS conforme a igreja primitiva O via, que frequentemente tiram a conclusão de que não temos meios de saber de modo algum como o JESUS histórico realmente era.
Estes críticos prestaram um serviço à igreja por meio de chamar à atenção a importância da etapa oral na transmissão da vida e do ensino de JESUS. Ha, também, muita coisa que pode ser aprendida pelo estudo das formas em que as narrativas são conservadas. Mas parece que os Críticos da Forma cometeram alguns erros sérios. Por exemplo, sua insistência de que a igreja atribuía aos ensinos de JESUS as próprias preocupações dela deixa desapercebido que os tópicos dos Evangelhos não são os tópicos que ocupavam a igreja primitiva, tópicos tais como o lugar dos ministros, o exercício dos dons do ESPÍRITO, e coisas semelhantes. Alem disto, estes críticos atribuem à comunidade o poder de criar os ditos memoráveis dos Evangelhos, desconsiderando totalmente que, na historia, são grandes indivíduos, e não comissões, que produzem linguagem notável. Alem disto Paulo, pelo menos, tomava o cuidado de distinguir entre seu próprio ensino e o do Senhor (1 Co 7:10, 25), fato este que cria a suposição de que a igreja primitiva não fazia remontar seu próprio ensino indiscriminadamente ao ensino nos lábios de JESUS. Os Críticos da Forma não levaram muito em conta o modo de os mestres palestinianos do século I fazerem seu trabalho. Os rabinos tinham o costume de colocar seus ensinos em formas apropriadas para a memorização, e insistiam que seus alunos as decorassem. E, portanto, relevante que boa parte dos ensinos de JESUS tem uma forma poética apropriada para este propósito. Por razoes deste tipo, muitos estudiosos recentes, embora reconheçam com gratidão a contribuição feita pelos Críticos da Forma, acham que foram longe demais. A evidência não sustenta suas conclusões céticas. Mais recentemente, emergiu uma nova disciplina, a saber: a Crítica da Redação, ou a Critica Editorial. Ela insiste que os Evangelistas devam ser entendidos como autores verdadeiros, não simplesmente como homens com uma tesoura e cola na Mao, que nada mais fizeram do que tomar material das suas fontes e enfileira-las juntos uns dos outros. Os Evangelistas tinham suas razoes para a disposição da sua matéria e tinham suas razoes para o modo especifico de colocarem em palavras seus incidentes e relatos de ensino. No que diz respeito a Lucas, o grande nome e o de Hans Conzelmann. Argumenta que Lucas se empenha para escrever acerca da historia da salvação, e esta historia e vista em três etapas: 1. 0 período de Israel (16:16). 2. O período do ministério de JESUS (4:16ss: At 10*38). 3. O período desde a ascensão, i.e, o período da igreja. O titulo alemão da obra de Conzelmann, Die Mitte der Zeit (“O Centro do Tempo”), resume admiravelmente a posição do autor. Sustenta que Lucas vê JESUS como totalmente central, e que escreve seu Evangelho baseado nessa convicção. Conzelmann entende que ele e uma obra dominada pela teologia. A geografia de Lucas, por exemplo, não deve ser levada a serio. Conzelmann duvida se Lucas conhecia a Palestina em primeira mão, mas de qualquer maneira vê seu uso dos termos geográficos como sendo simbólico e teológico. Destarte, o Jordão e simplesmente a esfera de João Batista.63 Alem disto, “não ha razão de ser na tentativa de localizar” o deserto onde ocorreu a tentação, visto que e apenas um símbolo da separação entre o Jordão e a Galileia. Esta abordagem a geografia e uma ênfase primaria de Conzelmann, e a desenvolve em toda a primeira parte do seu livro. Este tipo de abordagem esta aberto a critica legitima. Muitos sentem, por exemplo, que a estrutura de Conzelmann e artificial, e que Lucas nunca a teria reconhecido. Objeta-se, ademais, que edifica com confiança exagerada sobre sua exegese de um versículo especialmente difícil como Lucas 16:16, e o sobrecarrega com um sentido atribuído por ele mesmo. Alem disto, as limitações que Conzelmann impõe sobre a geografia de Lucas são feitas sem referencias a Atos. Aqui descobrimos que o Monte das Oliveiras dista de Jerusalém a jornada de um sábado (Atos 1:12) e que o campo onde Judas pereceu tinha o nome de Aceldama (Atos 1:19). O autor conhece a porta Formosa do Templo e o pórtico de Salomão (Atos 3:10, 11). Refere-se a um oficial chamado “o capitão do templo” (Atos 4:1), e também ao caminho de Jerusalém a Gaza, que sabe ser um caminho deserto (Atos 8:26). Sua descrição da prisão da qual Pedro escapou parece pressupor conhecimento local (Atos 12:10), assim como seu conhecimento do local das reuniões do grupo local dos cristãos (At 12:12). Sabe que a sede do governo romano era Cesareia (Atos 12:19; 23:23-26) e que havia uma coorte aquartelada em Jerusalém (Atos 21: 31). Fala bem naturalmente dos degraus que levavam a torre Antonia (Atos 21:40). Pode localizar Cesareia a dois dias de jornada de Jerusalém (Atos 23:23, 31, 32; à distância e de 100 km.). Não ha tantas referencias verificáveis no Evangelho, mas embora todas as suas referências não possam ser averiguadas, Lucas certamente fala de modo consistente, como quem conhece a localização dos lugares sobre os quais escreve (ver 1:26, 39; 4:31; 7:11; 8:26; 9:10; 19:29, 37). Talvez valha a pena notar que Bultmann não discerniu nenhum esquema geográfico tal como Conzelmann postula, porque diz: “A geografia de Lucas para o ministério Galileu e, em todos os lugares, a mesma que a de Marcos.”65 Depois de ter levado em conta a totalidade da critica justa, no entanto, a nova abordagem deve ser bem-vinda por levar a serio o trabalho feito pelos Evangelistas. Pode ajudar*nos a procurar aquelas considerações teológicas dominantes que impulsionaram os escritores dos Evangelhos e os induziram a escrever, E certamente importante que vejamos com eles aquilo que DEUS tem feito, bem como o que aconteceu em qual dia ha tanto tempo. O novo movimento, no entanto, pode ser tão cético quanto o antigo. E possível argumentar que, ao passo que os Críticos da Forma esconderam JESUS por detrás da comunidade, os Críticos da Redação O esconderam por detrás dos autores. Noutras palavras, os Evangelhos podem ser abordados com a suposição de que não podemos ver JESUS como Ele era, mas, sim, somente como Mateus ou Marcos ou Lucas ou João O viam.
Mas este tipo de ceticismo não e necessário. E possível ver os Evangelistas como teólogos e ainda como homens com profundo respeito para com a história. Noutro lugar, já argumentei que no Quarto Evangelho, João Batista e retratado, alem de toda a dúvida, somente de um ponto de vista, o de uma testemunha a JESUS. O Evangelista certamente esta ensinando uma lição teológica nas suas referencias ao Batista. Mas uma consequência do estudo dos rolos do Mar Morto tem sido demonstrar que ha algum paralelo ali a praticamente todo item de ensino atribuído a João no Quarto Evangelho. Isto convenceu uns críticos sisudos de que aquele Evangelho deva agora ser considerado uma valiosa fonte histórica para João Batista. O mesmo, sugiro, e aplicável noutros livros. Especificamente, e este o caso de Lucas. Seus escritos, e mais especialmente Atos, foram sujeitados a um escrutínio muito apurado. Foram comparados com os doutros escritores primitivos, e os resultados das pesquisas arqueológicas foram levados em conta. Embora não seja verdade dizer que todos os problemas foram resolvidos, ha um reconhecimento generalizado de que Lucas e um historiador fidedigno. Seu propósito teológico e real. Não devemos passar desapercebidos por ele. Mas sua teologia não leva sua qualidade histórica de roldão. Ate mesmo Rudolph Bultmann pode dizer: “não permite que seus conceitos dogmáticos exerçam qualquer influencia essencial no seu trabalho.”68 E muito conhecido que Sir William Ramsey começou suas pesquisas com a convicção de que Lucas era um historiador inferior, mas os fatos o levaram a ver que ele era, na verdadeda primeira categoria. As seguintes palavras dele não devem ser negligenciadas: “Nenhum escritor e correto por mero acaso, ou exato esporadicamente. É exato em virtude de certo hábito mental. Alguns homens são exatos por natureza: outros são por natureza frouxos e inexatos. Não e um ponto de vista permissível dizer que um escritor e exato ocasionalmente, e inexato noutras partes do seu livro. Cada um tem seu próprio padrão e medida de trabalho, que e produzido por seu caráter moral e intelectual.”69 Visto que Lucas pode frequentemente ser demonstrado como sendo exato (como na complicada nomenclatura dos oficiais em Atos), devemos vê-lo como um dos escritores exatos de Ramsey. Alguns acham valiosa uma distinção entre vários tipos de historiador. Destarte, C. K. Barrett ressalta o fato de que Lucas não era um historiador “do tipo moderno cientifico . . . mas, sim, um historiador da era helenística.” Isto da a impressão de significar que se interessava por outras coisas alem dos fatos. Mas Barre continua, dizendo que isto “não significa que Lucas não deve ser levado a serio como um escritor de historia; a distinção entre o fato e a ficção era compreendida muito tempo antes de ele escrever.” 70 Thompson ressalta esta lição ao enfatizar que Lucas se conforma aos cânones aceitos para a historiografia. Indica que Luciano escreveu um ensaio com o titulo “Como Escrever a Historia,” e que, embora seja posterior a Lucas (c. de 170 d.C.), pelo menos revela aquilo que pessoas cultas teriam procurado nos tempos do Novo Testamento. E portanto, importante que seus critérios incluam a verdade e a imparcialidade. Thompson resume as conclusões: “Julgado pelos critérios para a literatura histórica que Luciano preconizou, Lucas seria considerado, no seu mundo contem* poraneo, como quem atingiu um alto padrão como historiador, e seria comparado favoravelmente com outros homens de letras do seu dia.” Lucas, portanto, era um bom historiador, embora seja útil ter em mente que não estava procurando escrever o tipo de historia que nossos historiadores científicos modernos procuram escrever. Conforme Barrett ainda diz, era “um dos escritores bíblicos que nos confrontam com ura testemunho mais que humano a JESUS CRISTO.” Isto não significa descuido com os fatos, mas, sim, que os fatos são registrados, não por amor a eles mesmos mas sim, no cumprimento de um propósito religioso e teológico. Podemos ver algo desse propósito nos tópicos que se seguem.
1. A história da salvação. E usual ver Lucas como sendo o teólogo daquilo que os alemães chamam de Heilsgeschichte. Coloca sua narrativa no contexto da historia secular mais firmemente do que qualquer dos demais Evangelistas (2:1-2; 3:1), e vê a ação de DEUS em CRISTO como sendo a grande intervenção central de DEUS nos assuntos dos homens, mediante a qual a salvação do homem e operada (Atos 2:36; 4:10-12; 17:30-31). JESUS CRISTO e o enfoque de toda a história (cf. o titulo da obra de Conzelmann, Die Mitte der Zeit, “O Centro do Tempo”). Lucas enfatiza que a salvação se tornou presente em CRISTO, com o uso frequente dos advérbios “agora” e “hoje”. Emprega “agora” 14 vezes (Mateus 4 vezes, Marcos 3 vezes) e “hoje” 11 vezes (Mateus 8 vezes, Marcos uma vez). Em JESUS, o tempo da salvação chegou. O conceito que Lucas tem da historia da salvação não para na ascensão. Vê o ato de DEUS continuado na proclamação do evangelho e na vida da igreja. Os judeus tem um lugar especial na dispensarão divina, e ate ao fim e “a esperança de Israel” que os pregadores do evangelho proclamam (Atos 28:20). Os judeus, porem, rejeitaram seu Messias. Isto não queria dizer que DEUS foi derrotado. Na realidade, foi a oportunidade para uma expansão do Seu triunfo na proclamação do evangelho aos gentios. Mas o evangelho tinha de ser oferecido aos judeus primeiramente. Foi a recusa, da parte deles, da boa dádiva de DEUS que importou em a igreja ficar predominantemente gentia (Atos 13:46ss.). Tiago especificamente inclui os gentios em “um povo para o seu nome” (Atos 15:14). Tudo isto advém do amor e da graça de DEUS. Lucas se deleita em ressaltar a maneira em que o amor de DEUS e demonstrado a uma variedade de pessoas. Conforme foi notado na seção inicial, e possivelmente isto que faz com que o Terceiro Evangelho seja uma obra tão atraente. A salvação divina não esta sem raízes. Brota do grande amor que DEUS tem para os homens.
2. A universalidade da salvação. Vemos a largura desse grande amor de DEUS na universalidade da salvação acerca da qual Lucas escreve. A própria palavra “salvação” esta ausente de Mateus e Marcos e ocorre uma só vez em João. Lucas, no entanto, empregou soteria quatro vezes e soterion duas vezes (outros sete exemplos das duas palavras ocorrem em Atos num total de treze). Alem disto, emprega o termo “Salvador” duas vezes (e duas vezes mais em Atos), e empregou o verbo “salvar” mais frequentemente do que qualquer outro Evangelista. I. Howard Marshall vê este interesse como sendo criticamente importante: “E nossa tese que a ideia da salvação fornece a chave da teologia de Lucas.”75 Nem se trata apenas da estatística. Lucas nos conta que a mensagem do anjo dizia respeito aos homens em geral, e não a Israel especialmente (2:14). Faz a genealogia de JESUS remontar ate Adão (3:38), o progenitor da raça humana, não parando em Abraão, o pai da nação judaica (conforme faz Mateus). Conta-nos acerca dos samaritanos, como, por exemplo, quando os discípulos queriam invocar fogo contra eles (9:51-54), ou na bem-conhecida parábola do Bom Samaritano (10:30-37), ou na informação de que o leproso agradecido era desta raça (17:16). Refere-se aos gentios no cântico de Simeão (2:32) e nos conta que JESUS falou com aprovação acerca de não israelitas tais como a viúva de Sarepta e Naamã, o sírio (4:25-27). Conta-nos acerca da cura do escravo de um centurião (7:2-10). Registra palavras acerca de pessoas que vem de todas as direções da bussola para assentar*se no reino de DEUS (13:39) e da grande comissão para pregar o evangelho em todas as nações (24:47). Sustenta-se geralmente que sua historia da missão dos setenta (10:1-20) tem relevância para os gentios. Fica claro que Lucas tinha profundo interesse pela solicitude de DEUS para com todas as pessoas. Não devemos, no entanto, entender tudo isto como se ele quisesse dizer que todos seriam salvos. Vê a igreja existente num mundo hostil. Distingue entre “os filhos do mundo” e “os filhos da luz” (16:8; cf. 12:29-30, 51 ss.). O evangelho e oferecido gratuitamente a todos os homens, mas eles tem uma responsabilidade no sentido de se arrependerem, e serão julgados no devido tempo (Atos 17:30-31). O julgamento não e um tema infrequente neste Evangelho (cf. 12:13ss.; 17:26ss.). Nem devemos entender isto no sentido de depreciar a importância de Israel no propósito de DEUS. Uma das coisas fascinantes no escrito de Lucas e a maneira em que este gentio ressalta a importância do Templo e de Jerusalém. Começa e termina seu Evangelho com pessoas no templo em Jerusalém, em contraste com o Evangelho “judaico” de Mateus, cuja cena de abertura ressalta o lugar dos magos gentios e que termina com uma comissão na Galileia no sentido de os seguidores de JESUS irem para todo o mundo. Lucas menciona que JESUS foi apresentado no Templo como nenê, e que o visitou como menino. Ocorre de novo como o clímax da narrativa da tentação de JESUS, e como o lugar para o clímax da obra de JESUS em prol dos homens. Entre estas referencias, uma seção considerável do Evangelho e ocupada com uma viagem para Jerusalém (9:51-19:45; note a ênfase em Jerusalém como o destino, 9:51, 53; 13:22; 17:11; 18:31; 19:28; cf. 13:33-34). Ao todo, refere-se a Jerusalém 31 vezes em contraste com 13 vezes em Mateus, 10 vezes em Marcos e 12 vezes em João.O universalismo de Lucas é real, mas não devemos deixar que ocultasse de nós uma “qualidade judaica” muito real.
3. A escatologia. Lucas escreve acerca de uma grande salvação, de uma salvação que e valida por toda a eternidade e não somente para o tempo. Alguns estudiosos, e verdade, sustentam que ele negligencia o tema escatológico. Os demais Evangelhos, sustentam que foram escritos com a expectativa que CRISTO voltaria dentro em breve e que estabeleceria o reino de DEUS, expectativa esta que foi compartilhada por Paulo e outros. Lucas, porem, escreve quando a expectativa vivida tinha desvanecido. Para ele, a volta de CRISTO já não é iminente. “Ninguém escreve a história da igreja se esta esperando diariamente o fim do mundo.” Esta tese inteira, no entanto, deve ser examinada de modo mais critico do que acontece. Em primeiro lugar, não fica claro que o pensamento da próxima volta de CRISTO realmente dominava o pensamento dos primeiros cristãos. Sem duvida, aguardavam a vinda do Senhor, mas sempre devemos ter em mente a lição ensinada tão habilmente por W. C. van Unnik, “A fé dos cristãos primitivos não se fundamentava numa data mas, sim, na obra de CRISTO.”A igreja certamente pensava que haveria um intervalo antes da volta de CRISTO, conforme e demonstrado, por exemplo, pelo fato de que nenhum cristão defendeu em qualquer tempo a ideia de cessar a pregação do evangelho e não ha o mínimo indicio de que isto devesse ocorrer somente durante Sua vida. De qualquer maneira, a igreja esperava um intervalo, e a duração deste não e especificada em lugar algum. Embora a demora da parousia fosse um problema, parece ter sido menos problema para os membros da igreja primitiva do que para alguns expositores modernos. Depois, em segundo lugar, não fica claro, de modo algum, que Lucas não tinha interesse na escatologia. O contrario e demonstrado por passagens tais como 12:35ss.; 17:22ss.; 21:25ss., etc. Registra o pensamento do julgamento iminente (3:9, 17; 18:7-8) e o da proximidade do reino (10:9, 11; neste ultimo versículo, Lucas inclui as palavras “está próximo o reino de DEUS” que não estão no paralelo em Mt 10. Lucas talvez não tenha exatamente a mesma ênfase que e dada nalguns outros escritores do Novo Testamento, mas esta consideração não deve ser exagerada. Bo Reicke nem sequer concede tanto, e pode dizer: “E um mistério como Lucas pode ser acusado de ‘desescatologizar’ no seu Evangelho;” e, outra vez, “não e verdade, de modo algum, que Lucas representa JESUS e o reino de DEUS numa luz escatológica mais fraca do que fazem os demais Sinotistas.” 81 Desenvolve o fato de que Lucas ressalta a ideia da alegria diante da proximidade da salvação, e acha nisto uma escatologia genuína. C. H. Talbert e outro que insiste que Lucas está interessado na escatologia. Acha “duas ênfases escatológicas dominantes em Lucas-Atos. Uma e a proclamação de que o Fim está próximo . . . a outra . . . e a tentativa de evitar uma deturpação da tradição de JESUS. . . no sentido de que o eschaton tinha sido plenamente experimentado no presente, e que podia selo. Parece, portanto, ser uma falsa interpretação da evidencia ver Lucas como quem não tem interesse pela escatologia. Pelo contrario, aguarda a vinda do Fim quando a salvação da qual escreve chegara a sua consumação.
4. O catolicismo primitivo. Alguns deixam de entender o impacto daquilo que Lucas esta dizendo quando sustentam que ele institucionalizou o cristianismo, ou, pelo menos, que escreve como representante da religião institucional. No decurso do tempo, naturalmente, a igreja acabou se estabelecendo como uma instituição. Perdeu a primeira gloriosa animação da proclamação entusiástica do evangelho e a expectativa ansiosa da volta do Senhor. Passou a interessar-se por questões da ordem e da pratica sacramental, e geralmente por tudo quanto contribui para o lado institucional do cristianismo. O resultado e chamado “catolicismo primitivo” por muitos estudiosos, e veem Lucas como sendo um dos seus primeiros expositores. Infelizmente, nem todos concordam entre si quanto ao significado do termo. Destarte, fica sendo difícil definir se este e um aspecto do tratamento de Lucas, ou não. O que pode ser dito e que muitos críticos competentes tem chegado à conclusão de que Lucas e muito fiel as suas fontes,83 de modo que retrata cuidadosamente aquilo que estas dizem ao invés daquilo que acontecia nos seus próprios dias. Talbert entende que Lucas cristalizou a tradição apostólica nos seus dois volumes, e que escreveu em ordem cuidadosa a fim de refutar certos pontos de vista heréticos. Podemos concordar que Lucas estava escrevendo para suprir as necessidades dos seus próprios dias sem tirar a conclusão de que reflete apenas sua própria situação. Conforme Talbert também nos lembra, não devemos estar tão ocupados em perguntar por que Lucas acrescentou Atos ao seu Evangelho que nos esquecemos de perguntar por que prefixou seu Evangelho a Atos. É dai o que se interessava pela base histórica do cristianismo. Não e viável simplesmente ver Lucas expondo um tratamento convencional da religião institucional dos seus próprios dias. Via o plano de DEUS na igreja ao seu redor, mas também o via no Antigo Testamento e na vinda de JESUS. Não era tanto um homem da instituição quanto um homem que incluía a instituição no propósito de DEUS, que a tudo abrangia. 
5. O plano de DEUS. Lucas viu que DEUS estava desenvolvendo um grande plano nos negócios dos homens. Já notamos seu uso frequente de varias palavras para denotar “propósito” a fim de ressaltar o conceito de uma necessidade divirja operante no ministério de JESUS.85 O propósito foi visto supremamente na cruz (Atos 2:23; 3:13; 5:30-31, etc.). Lucas também o ressalta com suas muitas referencias ao cumprimento da profecia (Lc 4:21; 24:44, etc.). Deixou claro que os homens não derrotam a DEUS. Deixou claro, também, que DEUS não e algum Olimpio remoto, afastado dos homens e sem Se importar com o destino destes. O DEUS a quem Lucas conhece está interessado na salvação dos homens, e está constantemente operativo nos negócios dos homens a fim de levar a efeito Seu propósito redentor.
6. Os indivíduos. Ao operar aquele grande propósito da redenção, DEUS, segundo o conceito de Lucas, preocupava-Se com os homens. Não pensava que o propósito divino aparecia somente nos grandes movimentos das nações e dos povos: operava nas vidas de homens e mulheres humildes, pois DEUS Se importa também com as pessoas de menos influencia. Destarte, tem muita coisa a dizer acerca dos indivíduos, frequentemente no caso de pessoas que não são mencionadas noutros lugares. Conta-nos de Zacarias e Isabel, de Maria e Marta, de Zaqueu, de Cleopas e seu companheiro. Conta-nos da mulher que ungiu os pés de JESUS no lar de Simão, o fariseu, e doutras. Um fato interessante emerge do estudo das parábolas que registra. Ao passo que em Mateus as parábolas estão centralizadas no reino, em Lucas tendem a ressaltar pessoas. Lucas se interessa por pessoas.
7. A importância das mulheres. Uma parte importante da solicitude que DEUS tem para com as pessoas e que e manifestada para com grupos que não eram altamente estimados na sociedade do século I: as mulheres, as crianças, os pobres, os de ma fama.Por exemplo, da um lugar de relevância as mulheres. No século I, as mulheres eram mantidas bem no seu lugar, Lucas, porem, as vê como objetos do amor de DEUS, e escreve acerca de muitas delas. Nas historias da Infância, conta de Maria, mãe de JESUS, e de Isabel e Ana. Mais tarde, escreve também de Marta e da sua Irma Maria (10:38-42), de Maria Madalena e Joana e Susana (8:2-3). Refere- se a mulheres que não menciona pelo nome, tais como a viúva de Naim (7:11-12), a pecadora que ungiu os pés de JESUS (7:37ss.), a pequena velha encurvada (13:11), a viúva que deu a DEUS tudo quanto tinha (21:14) e as “Filhas de Jerusalém” que lamentavam por JESUS enquanto Ele subia a cruz (23:27ss.). Às vezes, as mulheres aparecem também nas parábolas, como naquela da moeda perdida (15:8ss.) ou do juiz injusto (18:1 ss.). 8. As Crianças. O exemplo mais obvio da solicitude de Lucas para com as crianças e o das narrativas da infância. Naturalmente, o interesse pelas crianças não é a única razão destas historias. Lucas está preocupado em enfatizar que o plano de DEUS estava sendo cumprido no nascimento e na juventude de Joio e de JESUS. Lembra-nos acerca do cumprimento da profecia em conexão com estes eventos. Mas e interessante que descobre o plano de DEUS em eventos que dizem respeito às crianças. Mateus nos diz alguma coisa acerca do nascimento de JESUS e somente ele relata a visita dos magos, mas e Lucas quem nos da a maior parte das nossas informações acerca daqueles dias iniciais. Conta-nos, também, alguma coisa acerca das circunstancias que acompanhavam o nascimento de João Batista. Dá-nos a única história que temos acerca de JESUS como menino, e nos conta, de vez em quando, acerca do “filho único” ou da “filha única” das pessoas sobre as quais escreve (7:12; 8:42; 9:38).
9. Os pobres. JESUS veio pregar o evangelho aos pobres (4:18), e é digno de nota que Lucas relata uma bem-aventurança para os pobres (6:20; ha, por contraste, um ai para os ricos, 6:24), ao passo que Mateus fala dos “pobres de espírito” (Mt 5:3). Pregar as boas-novas aos pobres e característica do ministério de JESUS (7:22). Os pastores, aos quais vieram os anjos (2:7ss.) pertenciam a uma classe pobre. Na realidade, parece que a família do próprio JESUS era pobre, pois a oferta feita na ocasião do nascimento da Criança era a dos pobres (2:24; cf. Lv 12:8). De modo geral, Lucas preocupa-se com os interesses dos pobres (1:53; 6:30; 14:11- 13, 21; 16:19ss.). O outro lado desta moeda e uma ênfase dada ao perigo das riquezas. Lucas tem um “Ai” para os ricos (6:24), e conta*nos que DEUS manda os ricos embora, vazios (1:53). Ha parábolas que advertem os ricos, tais como a do tolo rico (12:16ss.), do administrador infiel (16:1 ss.), do Rico e Lazaro (16:19-31). Ha advertências para os ricos nas historias do jovem rico (18:18-27), de Zaqueu (19:1-10) e da oferta da viúva pobre (21:1-4).
10. Os de ma fama. Lucas nos conta que em certa ocasião “Aproximavam-se de JESUS todos os publicanos e pecadores para O ouvirem” (15:1). Este não e um incidente, isolado no Terceiro Evangelho, pois Lucas tem a oportunidade de mencionar muitas pessoas que não eram muito respeitáveis. Destarte, conta-nos acerca de Zaqueu (desconsiderado pelos circunstantes como “um pecador,” 19:7), e acerca da festa que Levi fez para uma multidão descrita pelos fariseus como “publicanos e pecadores” (5 30). No mesmo estilo, narra a historia da pecadora que chorou sobre os pés de JESUS e os ungiu, e de quem JESUS disse que seus muitos pecados foram perdoados e que “ela muito amou” (7:37*50). O filho prodigo não era exatamente um modelo da retidão, e os injustos tem um jeito de aparecerem nas parábolas neste Evangelho (7:41-42; 12:13-21; 16:1-12, 19-31; 18:1*8, 9*14). 11. A Paixão de CRISTO. O propósito de DEUS e supremamente realizado na paixão de nosso Senhor. Lucas escreve com a convicção de que DEUS agiu em CRISTO para trazer a salvação aos homens. Às vezes os comentaristas reagiram por demais apressadamente diante do fato de que Lucas omitiu algumas declarações importantes de Marcos acerca da cruz (e.g, Mc 10:45)86 e afirmaram que Lucas não tem nenhuma teologia da cruz.87 Na realidade, a cruz domina a totalidade da obra. Não longe do começo, Lucas se refere aos "dias em que devia ele ser assunto ao céu” (9:51), e acrescenta que JESUS “manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Jerusalém.” JESUS Se refere a Sua morte como sendo um batismo, e acrescenta, “quanto me angustio ate que o mesmo se realize!” (12:50). Manda um recado a Herodes: “Hoje e amanhã expulso demônios e curo enfermos, e no terceiro dia terminarei” (13:32; passa a falar em morrer em Jerusalém). Numa das passagens Q, Lucas tem uma predição da paixão que esta ausente de Mateus (17:25). De modo semelhante, conta-nos na sua narrativa da Transfiguração, que Moises e Elias falavam da morte de JESUS (9:31), fato este que não foi mencionado nos demais Evangelistas. E, e claro, a narrativa da Paixão ocupa um espaço grande no fim do Evangelho. Lucas tem certo numero de referencias ao cumprimento da Escritura em conexão com a Paixão que da ao seu relato um toque especial (ver 18:31; 20:17; 22:37; 24:26-27, 44, 46; provavelmente também 9:22; 13:33; 17:25; 24:7). Na Paixão, a vontade de DEUS e realizada. E verdade que Lucas não ressalta a conexão entre a cruz e a salvação conforme a maneira de Paulo ou João. Isto toma possível entender as referencias de Lucas a cruz, como disse um leitor deste livro na forma de manuscrito, como se a visse como “o caminho divinamente ordenado para chegar à ressurreição e a exaltação como Príncipe e Salvador.” Isto talvez seja possível, mas não e obvio, de modo algum. Não ha nenhum indicio do triunfo final na maioria das referencias lucanas, e onde o triunfo entra, tende a ficar sem ênfase (cf. “ao terceiro dia ressuscitara,” 18:33; não ha nada mais, nenhuma palavra acerca do triunfo ou da exaltação). De qualquer maneira, o leitor revelou a base do seu argumento na palavra final. E isto que e importante. Lucas vê JESUS como Salvador dos homens, e isto pelo caminho da cruz. Se a relevância expiadora do sofrimento de CRISTO não e ressaltada, pelo menos está presente, e vale a pena refletir que Lucas não da qualquer indicio dalgum outro significado. Tendo em vista seu nítido interesse pela salvação, a pergunta pode muito bem ser feita: Por que Lucas assim ressalta a cruz a não ser por causa da sua relevância salvífica? Não devemos, alem disto, permitir que nossos pensamentos se limitem ao Evangelho. No seu segundo volume, Lucas continua a enfatizar a importância da cruz. Ressalta o fato de que a igreja primitiva concentrava-se naquilo que JESUS fizera em prol da salvação do homem e especificamente na cruz e na ressurreição. Aqui, descobrimos que a morte de JESUS ocorreu “pelo determinado desígnio e presciência de DEUS” (Atos 2:23). Ha muito mais.89 A morte de JESUS era central.
12. O ESPÍRITO SANTO. O propósito de DEUS não cessa na cruz. Continua na obra do ESPÍRITO SANTO, que significava tanta coisa na igreja dos dias de Lucas. O interesse deste Evangelista pelo ESPÍRITO, no entanto, remonta aos dias iniciais. O ESPÍRITO e destacado neste Evangelho desde o inicio. Ha uma profecia no sentido de que Joio seria cheio do ESPÍRITO SANTO, já do ventre materno (1:15), ao passo que se diz de Isabel bem como de Zacarias que ficaram cheios do ESPÍRITO (1:41, 67). O mesmo ESPÍRITO estava “sobre” Simeão, revelou-lhe que haveria de ver o CRISTO, e o guiou para o Templo no momento apropriado (2:25-27). O ESPÍRITO SANTO estava ativo em conexão com o ministério de JESUS. Este fato remonta ate a concepção original, pois o anjo Gabriel informou Maria que “Descera sobre ti o ESPÍRITO SANTO e o poder do Altíssimo te envolvera com a sua sombra” (1:35). Quando JESUS estava para começar Seu ministério, ha varias referencias ao ESPÍRITO SANTO. Joio Batista profetizou que JESUS batizaria com o ESPÍRITO SANTO e com fogo (3:16). Quando nosso Senhor foi batizado, o ESPÍRITO SANTO veio sobre Ele “em forma corpórea como pomba” (3:22), e o mesmo ESPÍRITO 0 encheu e O guiou para o deserto na ocasião da tentação (4:1). Depois de terminada a tentação, e Ele estava para entrar no Seu ministério, “JESUS, no poder do ESPÍRITO, regressou para a Galileia” (4:14). Depois, quando pregou na sinagoga de Nazaré, JESUS aplicou a Si mesmo as palavras: “O ESPÍRITO do Senhor esta sobre mim” (4:18), Não ha muitas referencias ao ESPÍRITO durante o ministério, mas em certa ocasião JESUS “exultou no ESPÍRITO SANTO” (10:21) e provavelmente devamos entender que isto indica que o ESPÍRITO estava continuamente com Ele. Alem disto, disse aos Seus seguidores que, nas emergências, o ESPÍRITO SANTO lhes ensinaria as coisas que deveriam dizer (12:12), e não e fácil pensar que eles teriam o ESPÍRITO SANTO e JESUS, não. A blasfêmia contra o ESPÍRITO e o mais grave dos pecados (12:10). JESUS disse a Seus discípulos que o Pai daria o ESPÍRITO SANTO aqueles que lho pedirem (11:13). Depois da ressurreição, disse: “Eis que envio sobre vos a promessa de meu Pai” e passou a assegurar os discípulos que seriam “revestidos de poder do alto” (24:49). Esta e uma clara referencia a vinda do ESPÍRITO SANTO, profecia esta que foi cumprida no Pentecoste. Mas, por mais importante que seja o ensino deste Evangelho acerca do ESPÍRITO SANTO, e em Atos que recebemos o impacto total da ênfase de Lucas. Aquele livro está cheio do ESPÍRITO, e tem sido chamado, com razão, “Os Atos do ESPÍRITO SANTO.” O ESPÍRITO esta constantemente operante desde o Dia do Pentecoste. Está abundantemente claro, pois, que uma das grandes ênfases de Lucas e o ESPÍRITO SANTO, Não pensa que DEUS deixa os homens para servi-Lo da melhor maneira que podem com seus próprios recursos. O amor de DEUS e visto no ESPÍRITO que entra nos seguidores de JESUS e lhes da poder e os guia. Alguns tem visto a ênfase dada por Lucas ao ESPÍRITO SANTO como substituto da escatologia que significa tanta coisa para os demais Evangelistas. Helmut Flender nota o argumento de Conzelmann e Schweizer de que a historia da redenção e a escatologia são mutuamente exclusivas. Contra isto, argumenta (com razão, segundo meu juízo) que este não e um modo verdadeiro de entender a obra do ESPÍRITO. Flender vê a exaltação de CRISTO e o derramamento do ESPÍRITO como eventos escatológicos genuínos, mas nega que isto torne a igreja “igualmente escatológica.” Continua: “Entender a historia da redenção desta maneira seria confundir a atividade divina com a humana, que seria intolerável. Quando falamos do ESPÍRITO como sendo escatológico, queremos dizer que e escatologia tornada presente.”90 O que garante o senso genuíno da iminência, da expectativa continua, e que o dom do ESPÍRITO não e alguma coisa institucional, como se a igreja tivesse o ESPÍRITO sob seu controle e pudesse produzir os dons do ESPÍRITO em qualquer momento que escolhesse. O ESPÍRITO SANTO foi dado no Pentecoste, decerto, mas Ele podia encher as mesmas pessoas outra vez, um pouco mais tarde, como resposta a oração (Atos 4:31). A presença do ESPÍRITO “ainda e um dom sobrenatural, pelo qual os fieis devem esperar, e que devem ser prontos para receber.”91 Não se pode tratar o ESPÍRITO com presunção. A igreja não pode dizer: “Temos o ESPÍRITO em nossa salvaguarda. Não precisamos esperar a vinda de nosso Senhor.” O Senhorio do ESPÍRITO sobre o processo histórico e amplamente ressaltado em Atos. E, conforme notamos numa seção anterior, Lucas tem mais para dizer acerca do ESPÍRITO no seu Evangelho do que qualquer um dos demais Evangelistas. Isto forma um vinculo de continuidade. Tanto no ministério de JESUS quanto na vida da igreja primitiva, o ESPÍRITO de DEUS esta operante.
13. A oração. No seu ensino acerca do ESPÍRITO, portanto, Lucas nos mostra que DEUS leva a efeito o Seu propósito. Esta operação exige uma atitude certa da parte do povo de DEUS, e é de acordo com isto que Lucas ressalta a importância da oração. Ha duas maneiras principais de ressaltar este interesse. A primeira e ao registrar as orações de JESUS (3:21; 5:16; 6:12; 9:18, 28-29; 10:21-22; 11:1; 22:41ss.; 23:46; sete destas constam somente em Lucas, e mostram JESUS orando antes de cada grande crise da Sua vida). Somente este Evangelho registra que JESUS orou por Pedro (22:31 -32). Lucas nos diz que JESUS orou pelos Seus inimigos (23 34) e por Si mesmo (22:41-42). A segunda maneira acha-se nas parábolas que ensinam tanta coisa acerca da oração: o amigo a meia-noite (11:5ss.), o juiz injusto (18:10ss.). Alem disto, Lucas registra algumas exortações aos discípulos no sentido de orarem (6:68; 11:2; 22:40,46), e tem uma advertência contra o tipo errôneo de oração (20:47).
14. O louvor. O Evangelho segundo Lucas e um Evangelho cantante. Registra alguns dos grandes hinos da fé Cristã: o cântico de gloria dos anjos (2:14), o Magnificat, o Benedktus e o Nunc Dimittis (1:46ss., 68ss.; 2:29ss.) Bem frequentemente, as pessoas que recebem benefícios louvam a DEUS, ou glorificam a DEUS, ou fazem algo semelhante (2:20; 5:25-26; 7:16; 18:43). O verbo “regozijar-se” e o substantivo “alegria” acham-se frequentemente (e.g. 1:14, 44, 47; 10:21). Ha risos neste Evangelho (6:21) e festejos (15:23, 32). Ha alegria na recepção que Zaqueu fez para JESUS (19:6). Ha alegria na terra quando a ovelha perdida e a moeda perdida são achadas, e ha jubilo no céu por causa da recuperação de pecadores perdidos (15:6-7, 9-10). E este Evangelho termina, assim como começou, com regozijo (24:52; cf. 1:14). Fica claro, com tudo isto, que Lucas escreveu com um propósito profundamente teológico. Vê DEUS operando para trazer a salvação e tem prazer em ressaltar uma variedade dos aspectos desta grande obra salvífica.

O RELACIONAMENTO ENTRE LUCAS E OS DEMAIS EVANGELHOS
a. O Problema Sinótico
Um problema e levantado pelas semelhanças entre certas passagens dos três primeiros Evangelhos que temos. Às vezes, estão em todos os três Evangelhos, às vezes em dois deles. As semelhanças frequentemente são muito estreitas, e as passagens podem ser quase iguais, palavra por palavra. Até mesmo partículas minuciosas e sem importância podem ser idênticas em todos os três relatos. Se isto ocorresse somente nas palavras de JESUS, talvez pudéssemos pensar que a fidelidade na reportagem fosse a explicação. Acha-se, no entanto, também nas narrativas dos eventos. O problema e como explicar estes fatos e esclarecer o relacionamento entre os três Evangelhos. Podemos expor os fatos principais do modo seguinte:
1. O esquema geral destes três Evangelhos e semelhante. Ha um ministério de JESUS na Galileia, seguido por uma viagem para Jerusalém, onde está localizada a Paixão. Ha uma abordagem bem diferente em João, onde vemos JESUS fazendo certo numero de visitas a Jerusalém.
2. Ha passagens em todos estes três Evangelhos que se assemelham estreitamente umas as outras, e.g. Mateus 9:6 = Marcos 2:10 = Lucas 5:24.
3. Mateus e Marcos frequentemente concordam na sua redação, onde Lucas e diferente, e Marcos e Lucas concordam de modo semelhante contra Mateus. Mateus e Lucas concordam mais raramente contra Marcos.
4. Ha passagens em Mateus e Lucas que estão ausentes das seções correspondentes de Marcos, e.g. Mateus 3:7-10 = Lucas 3:7-9; cf. Mc 1:2-8. 
5. Alguma matéria acha-se em Mateus e Lucas que é semelhante, mas não idêntica, e.g. Mateus 5:3 e Lucas 6:20.
6. A matéria em comum pode ser colocada em contextos diferentes, e.g. a cura do servo do centurião (Mt 8:5ss.; Lc 7:1 ss.). 
7. Cada Evangelho tem matéria que nenhum dos outros dois compartilha com ele. Não se pode dizer que já foi oferecida uma explicação que de conta de todos os fatos. Mesmo assim, muita coisa pode ser aprendida ao examinar as soluções que tem sido propostas. Em dias anteriores, a explicação usual era a tradição oral: “um Evangelho oral original, bem especifico no seu esboço geral e ate mesmo na linguagem, que foi registrado por escrito no decurso do tempo em vários formatos especiais, segundo as formas típicas que assumiu na pregação de Apóstolos diferentes.”93 Hoje em dia, acha*se que esta explicação e inadequada. A tradição deve ter começado em aramaico e é difícil ver porque o grego viria a ser tão semelhante. A dependência se estende ate mesmo as partículas gregas. Alem disto, e difícil entender por que uma tradição oral teria produzido tanta coisa no sentido de uma ordem comum. Mateus e Lucas podem desviar-se da ordem de Marcos, mas sempre voltam a ela. Podemos concordai que a tradição oral não explicara todos os fatos, mas deve ser lembrado que, em qualquer hipótese, a matéria do Evangelho foi transmitida oralmente por certo número de anos. Não é improvável que uma insuficiência de atenção tenha sido prestada a tradição oral. Parece não haver razão porque os Evangelistas não tivessem prestado atenção a tradição oral que indubitavelmente existia quando escreveram. A Critica da Forma enfatizou para nos a importância do período preliterario. A mesma coisa foi feita, proveniente de outra direção, pela obra de estudiosos escandinavos tais como H. Riesenfeld od e B. Gerhardsson. Nestes dias, porem, a maioria dos críticos concorda que devamos pensar em fontes escritas. A teoria dos dois documentos sustenta que Marcos foi o primeiro dos Evangelhos a ser escrito, e que Mateus e Lucas empregaram Marcos bem como outra fonte usualmente designada por Q.
As razoes dadas pela prioridade de Marcos são as seguintes:
1. Quase a totalidade de Marcos esta contida nos outros dois.
Mateus tem a substancia de mais de 600 dos 661 versículos de Marcos, e retém cerca de 51% das próprias palavras de Marcos, embora seu estilo seja mais condensado. E difícil tirar uma conclusão exata no caso de Lucas, mas parece ter cerca de 350 versículos em comum com Marcos, e nestes, cerca de 53% das palavras são as de Marcos.96 Cerca de 90% de Marcos esta em Mateus, e cerca de metade em Lucas. Somente quatro parágrafos de Marcos não aparecem em um ou outro destes dois.
2. A maneira de ser usada esta matéria parece demonstrar que Marcos dificilmente poderia ter empregado os outros dois como suas fontes. F. B. Clogg comenta a cura do paralitico (Mt 9:1*8; Mc 2:1-12; Lc 5:17-26): “depois da introdução, que é peculiar a cada Evangelista, nada há em Mateus e Lucas que não e achado em Marcos, mas Marcos tem muitos pormenores picturais que faltam nos outros dois. E pouco possível que Marcos tenha compilado sua narrativa a partir dos dois outros, e que ainda seja o mais viçoso e natural dos três.” Um comentário semelhante poderia ser feito repetidas vezes.
3. Tanto Mateus como Lucas às vezes omitem aquilo que Marcos contém, mas não concordam frequentemente nas suas omissões.
4. Mateus e Lucas geralmente seguem a ordem de Marcos. Quando um deles deixa a ordem de Marcos, o outro normalmente o apoia. Raras vezes concordam entre si contra Marcos, quanto a detalhes.
5. Marcos revela mais franqueza do que os outros em retratar a humanidade de JESUS. Por exemplo, informa-nos que na sinagoga, depois de ter perguntado se e licito nos sábados fazer o bem ou fazer o mal, antes de curar o homem que tinha ressequida uma das mãos, JESUS “olhou ao redor, indignado e condoído com a dureza dos seus corações” (Mc 3:5). Mateus e Lucas, porem, omitem as referencias a indignação e ao pesar.
6. Marcos está mais disposto a relatar as falhas dos Doze. Destarte, conta-nos que, na ocasião da discussão sobre o “fermento de Herodes,” JESUS perguntou-lhes:“Tendes o coração endurecido? tendo olhos, não vedes? e, tendo ouvidos, não ouvis?” (Mc 8:17-18). Mateus, porem, ao relatar o incidente, omite esta parte (Mt 16.-9).
7. Em Marcos ha toques vividos (que decididamente dão a impressão de ser as lembranças de uma testemunha ocular), que Mateus e Lucas omitem nos seus relatos paralelos. Incluem detalhes como quando JESUS sentou-Se e chamou os Doze (Mc 935), quando olhou para Seus discípulos em derredor (Mc 10:23), e a palavra para os “grupos” das pessoas que se sentavam na ocasião em que os cinco mil foram alimentados (Mc 6:40; a palavra e empregada para canteiros do jardim).
8. Embora Mateus e Lucas sejam independentes entre si quanto as suas historias da Infância, começam a concordar entre si (e com Marcos) na altura em que Marcos começa seu Evangelho.
9. Parece haver uma tendência para Mateus e Lucas refinar o relato de Marcos. Parece que adotam um tom mais reverente (ver considerações 5 e 6), emendara construções desajeitadas e com gramática inferior, e omitem as expressões aramaicas. Em comparação com eles, o relato de Marcos parece mais primitivo. 10. Algumas pessoas detectam em Mateus e Lucas tentativas para esclarecer as ambiguidades de Marcos. Destarte, onde Marcos diz: “pois para isso é que eu vim” (Mc 1:38), que pode significar ‘Vim da parte de DEUS,” ou “vim de Cafemaum,” Lucas diz: “pois para isso é que fui enviado” (Lc 4:43). De modo semelhante, Marcos 11:3 pode significar que
o dono mandaria o jumento de volta para JESUS, ou que JESUS, depois de acabar de fazer uso do jumento, o devolveria ao dono (comparar ARC com ARA). Mateus 21:3, no entanto, deixa claro o sentido. Nem todas estas considerações são igualmente convincentes. Destarte, considerações 5-7 decerto não passam de questões das abordagens diferentes dos diferentes autores. Alem disto, a consideração 4 pode ser declarada de modo exagerado. Sanders sustenta que “os fatos da ordem conforme usualmente são declaradas são enganosos: o fenômeno da ordem ainda tem de ser definido e explicado de modo adequado. O argumento baseado na ordem não é adequado para comprovar a hipótese dos dois documentos com o grau de certeza que seria necessário a fim de justificar o procedimento seguido por Bultmann e Taylor.”98 Algumas das outras considerações, no entanto, formam um argumento convincente. Contra ele pleiteiam-se principalmente as duas considerações seguintes.
1. Ha algumas concordâncias entre Mateus e Lucas contra Marcos.
Por exemplo, no dito acerca de colocar vinho novo em odres velhos, Mateus e Lucas dizem que o vinho se derrama, ao passo que Marcos diz que o vinho e os odres se perdem (Mt 9:17 = Mc 2:22 = Lc 537)." De modo semelhante, na historia da Paixão, Mateus e Lucas igualmente tem “dizendo” e “quem e que te bateu?”, que faltam em Marcos (Mt 26:67, 68 = Mc 14:65 = Lc 22:63-64). Este tipo de coisa e estranho se Mateus e Lucas dependem de Marcos. Para explica-lo, alguns tem pensado que Marcos foi revisado: houve um Marcos original (um Ur-Marcus) e uma versão revisada. Se for assim, o Marcos que agora temos deve ser o original, ao passo que Mateus e Lucas usaram a revisão. A maioria dos estudiosos, no entanto, concorda que a evidencia em prol de um Ur-Marcus e insuficiente.
Muitos dos argumentos deixam de convencer. Destarte, tanto Mateus quanto Lucas frequentemente omitem, de modo independente, palavras insignificantes que caracterizam o estilo mais verboso de Marcos. Não é surpreendente que às vezes coincidem. A mesma coisa acontece com as mudanças gramaticais, tal como a alteração do presente histórico (em Marcos 151 vezes, mas em Mateus 78 vezes e em Lucas 4-6 vezes)100 para o imperfeito ou o aoristo. Mas depois de levar isto plenamente em conta, muitos estudiosos acham que um problema ainda permanece.
2. Se Mateus e Lucas dependem de Marcos, pergunta-se por que omitem seções inteiras da sua fonte. Mas a resposta razoável e que os dois tinham o direito de fazer uma seleção. Não eram obrigados a reproduzir a totalidade de quaisquer documentos que tinham em mãos. De qualquer maneira, uma quantidade surpreendentemente pequena de Marcos e omitida na realidade. E, porem, enigmático que Lucas tenha omitido tudo em Marcos 6:45-8:26. Talvez esta omissão fosse acidental. Não era fácil localizar uma passagem num rolo antigo, e tem sido sugerido que Lucas pudesse facilmente ter passado acidentalmente da multiplicação dos pães para as multidões em Marcos 6:42-44 para as palavras semelhantes em 8:19-21.
Ou talvez achasse que já tinha paralelos suficientemente próximos da maior parte de matéria nesta seção. Tais objeções não são consideradas decisivas. A maioria dos estudiosos, portanto, sustenta que Marcos foi o primeiro dos quatro Evangelhos que temos a ser escrito. Pensam que este Evangelho foi usado tanto por Mateus quanto por Lucas. Esta parece ser a interpretação mais provável da evidencia, mas não podemos dizer mais do que isto. Não foi completamente comprovado,102 e devemos ter em mente que alguns estudiosos sustentam a prioridade de Mateus10.3 e alguns poucos, ate mesmo a de Lucas. Voltamo-nos agora para Q, a outra fonte na teoria dos dois documentos. As seguintes considerações são relevantes.
1. Ha cerca de 250 versículos que Mateus e Lucas tem em comum, mas que faltam em Marcos.
2. O grau de semelhança varia. Algumas passagens são quase idênticas, palavra por palavra (e.g. a seção da “raça de víboras”, Mt 3:8-10; Lc 3:7-10; no Grego, 60 de 63 palavras são idênticas nos dois relatos: assim também Mt 6:24 é semelhante à Lc 16:13; Mt 7:3-5 a Lc 6:4142; Mt 7:7-10 a Lc 11.9-13;Mt 11:4-6, 7b-11 a Lc 7:22-23, 24b-28 ; Mt 11:21- 23 a Lc 10:13-15;Mt 11:25-27 a Lc 10:21-22;Mt 12:4345 a Lc 11:24-26; Mt 23:37-38 a Lc 13:34-35;Mt 24:45-51 a Lc 12:4246). As concordâncias podem chegar a palavras e frases incomuns, e peculiaridades gramaticais.
Noutras passagens, no entanto, as diferenças são tão notáveis quanto às semelhanças (e.g. as Bem-aventuranças, Mt 5:3-l 1 ; Lc 6:20-22).
3. A matéria em comum ocorre em contextos diferentes. Segundo Streeter, subsequentemente a narrativa da tentação, não ha um só caso em que Mateus e Lucas encaixam um trecho de matéria Q no mesmo contexto de Marcos. Não e surpreendente, portanto, que a ordem em que a matéria Q ocorre e diferente nos dois Evangelhos. Sustenta-se usualmente que Lucas conservou alguma coisa da ordem do original, ao passo que Mateus dispôs sua matéria por tópicos.
4. Ha pouca matéria narrativa na matéria que há em comum. Q é principalmente um documento de ditos. Teoricamente, a matéria que ha em comum pode ser devida a dependência direta ao invés de ao uso do mesmo documento; mas poucos acham que ha qualquer justificativa para sustentar que Mateus copiou Lucas. Alguns estudiosos, porem, pensam que Lucas depende de Mateus. Contra eles, porem, ha o fato já notado de que, depois da historia da tentação, nunca achamos a matéria em comum no mesmo contexto. Por que Lucas sistematicamente tiraria a matéria de Mateus fora do seu contexto e a colocaria noutro lugar? Alem disto, não parece haver motivo algum porque Lucas não retomou nenhum dos acréscimos que Mateus fez ao texto de Marcos. Isto parece inexplicável. Uma consideração um pouco subjetiva e que os estudiosos usualmente acham que, onde ha leves diferenças entre a matéria em comum, o relato de Lucas e mais viçoso e parece mais original. Não parece, portanto, que qualquer destes dois Evangelhos depende diretamente do outro, A maioria dos estudiosos sustenta que uma fonte tal como Q realmente existia, embora haja pouca concordância quanto ao conteúdo dela.
James Moffatt cita dezesseis reconstruções diferentes e oferece mais uma dele mesmo. Streeter oferece ainda outra. O problema, naturalmente, e com as passagens que revelam diferenças bem como semelhanças. Devem ser incluídas em Q? Alguns sustentam que devem, e que havia recensões diferentes daquele documento. Mateus, pois, usou uma forma de Q, e Lucas, outra. Outros pensam que Q era uma fonte aramaica (talvez os logia de Mateus, referidos por Papias e que nossos Evangelistas estejam usando traduções diferentes para o Grego. Algumas das diferenças entre Mateus e Lucas podem ser explicadas com base nas leves diferenças entre palavras aramaicas ou de palavras aramaicas com dois sentidos. Outro fator complicante é a probabilidade de que às vezes apenas um dos nossos Evangelistas empregou Q. Os estudiosos diferem entre si quando procuram identificar tais passagens. Aqueles que acham que a existência de Q não foi demonstrada de modo satisfatório indicam que não se pode comprovar a existência de nenhum exemplar do tipo de literatura semelhante. Talvez o Evangelho segundo Tome chegue mais perto, mas este e um documento do século II, provavelmente gnóstico. Nada semelhante a ele e conhecido nos tempos neotestamentários. As concordâncias entre Mateus e Lucas realmente apresentam um problema, mas não e incapaz de solução. Alguns pensam que Mateus e anterior a Lucas e que Lucas usou tanto ele quanto Marcos. Tais pontos de vista não estão sem dificuldades próprias, mas a sua própria existência demonstra que a hipótese de que Marcos e Q subjazem nosso primeiro e terceiro Evangelho não foi comprovada. É difícil escapar a impressão de que muitos críticos estão procurando forçar um numero de hipóteses dentro do documento Q. Estão desconsiderando a expressa declaração de Lucas de que muitos tinham escrito antes dele (1:1). A melhor maneira de esclarecer o problema das diferenças e das semelhanças parece ser levar a serio esta declaração de Lucas. Onde Mateus e Lucas são iguais, quase palavra por palavra, não precisamos duvidar de que estão usando um documento escrito em comum. É bem possível que tenha havido mais de uma de tais fontes. Mas onde as diferenças são tão grandes quanto às semelhanças, parece melhor pensar em fontes diferentes.111 Não deixa de ser interessante que em tempos recentes parece haver uma tendência para ser menos dogmático acerca de Q.m Muitos estudiosos o consideram nada mais do que um modo conveniente de referir-se a matéria comum a Mateus e Lucas que obtiveram da mesma origem ou origens. Empregaremos o símbolo exatamente desta maneira. Desde a publicação da grande obra de B. H. Streeter, muitos têm sido atraídos à teoria dos quatro documentos. Streeter aceitou Marcos e Q como dois documentos básicos, mas indicou que, alem disto, Mateus e Lucas tem quantidades consideráveis de matéria peculiar a eles mesmos.
Postulou origens documentarias especiais para explicar isto, e deu ao documento de Mateus a designação de M, e ao de Lucas, a de L. Pensava que cada um dos grandes centros no cristianismo primitivo teria seu próprio ciclo de tradição, e liga as fontes com esses centros: Marcos com Roma, Q com Antioquia, M (que tem um tom judaico) com Jerusalém e L com Cesareia. Quando estas tradições foram registradas nos Evangelhos como matéria sagrada, já não havia necessidade para a sua existência separada e foi permitido seu desaparecimento. Esta parte da sua teoria esta aberta a duvidas, pois a igreja primitiva não deixou que Marcos perecesse quando quase a totalidade dele foi incluído em Mateus ou Lucas. Um desenvolvimento interessante da teoria de Streeter e seu conceito da maneira em que o Evangelho segundo Lucas foi composto. Pensa que quando Lucas começou a escrever, dependia principalmente de Q e L e que somente depois de ter combinado estes num primeiro esboço de um Evangelho (que Streeter chama de Proto-Lucas) e que teve em mãos um Evangelho segundo Marcos. Passou, então, a encaixar matéria de Marcos em Proto-Lucas e formou o presente Evangelho. Antes de Streeter, o conceito usual foi que Lucas tomou Marcos como base e encaixou sua matéria não-marcana no arcabouço marcano. Streetter, porem, rompe com o ponto de vista de que Marcos era uma fonte primaria para Lucas, e nega que Marcos forneceu o arcabouço de Lucas. Caird indica que a resolução desta questão tem interesse mais do que meramente acadêmico, porque envolve nosso conceito do valor histórico deste Evangelho. Se Lucas usou Marcos como sua base, segue-se, então, que “usou de muita liberdade editorial em reescrever suas fontes.” As evidencias principais em prol de Proto-Lucas são as seguintes. 
1. Lucas tem blocos alternados de matérias marcanas e nab-marcanas. Faz muito pouco uso de Marcos nas seções 3:1-4:30; 6:20-8:3; 9:51-18:14; 19:1*27, e sua narrativa da Paixão parece ser basicamente independente daquela de Marcos. Não da qualquer impressão de combinar suas matérias marcanas e não-marcanas dalguma maneira semelhante ao modo em que combinou os fios diferentes na sua matéria não-marcana. Por alguma razão, não registra nada tirado de Marcos 6:45-8:10.
2. Lucas 3:1 dá a impressão de ser o inicio de um livro. Se realmente o foi, a posição da genealogia, logo após a primeira menção do nome de JESUS, e natural. Aqueles que sustentam a hipótese do Proto-Lucas, e lógico, normalmente acreditam que este documento não incluía as narrativas da Infância.
3. Às vezes, quando Lucas esta aparentemente seguindo Marcos, um incidente especifico e omitido. Mas o achamos numa forma diferente num lugar diferente. Tais incidentes incluem a controvérsia acerca de
Belzebu (Q), o grão de mostarda (Q), a rejeição em Nazaré (L), a unção (L), etc. Caird alista dezessete lugares em que Lucas sai da ordem marcana em Marcos 1:1-14:11.114 Parece que Lucas preferia sua fonte não-marcana, mesmo quando a versão de Marcos e mais vigorosa. Isto e inteligível se Lucas tinha anteriormente incorporado aquela fonte na sua obra, mas menos inteligível se esta operando tendo Marcos por base. Na realidade, parece que quando Lucas não esta seguindo a ordem de Marcos, não esta livremente corrigindo o outro Evangelista, mas, sim, simplesmente seguindo outra fonte.
4. Q + L formariam um documento consideravelmente maior do que Marcos.115 E difícil, a luz disto, ver Marcos como o arcabouço de Lucas.
5. Esta hipótese explicaria por que Lucas omite muito mais de Marcos do que Mateus.
6. O uso de “o Senhor” ao invés de “JESUS” na narrativa não se acha em Mateus nem Marcos , nem ocorre na matéria marcana em Lucas. Mas acha-se quinze vezes no restante, e em números aproximadamente proporcionais em Q e L. De modo semelhante, o trato Kyrie, “Senhor,” acha-se uma só vez em Marcos (a mulher siro-fenícia), mas dezesseis vezes em Lucas, das quais quatorze no Proto-Lucas (oito em L e seis em Q). Também se acha dezenove vezes em Mateus. Fica claro que o uso do termo não caracteriza a composição final do livro, senão, estaria nas seções marcanas. A inferência e que pertence a uma etapa anterior do escrito de Lucas.
7. A narrativa da Paixão, escrita por Lucas, não e uma reformulação da de Marcos. Quando Lucas esta empregando matéria marcana, normalmente tem cerca de 53% das palavras de Marcos, mas na narrativa da Paixão, somente 27%.n7 e isto inclui muitas palavras sem as quais seria quase impossível contar uma historia da Paixão de modo algum. Lucas tem, além disto, uma dúzia de variações da ordem marcana. Ha mais: os aparecimentos em Lucas estão localizados em Jerusalém. A opinião dos estudiosos esta dividida entre a ideia de o Evangelho segundo Marcos originalmente ter terminado onde termina em nossos exemplares, e neste caso não houve aparecimentos depois da ressurreição, ou de ter havido um termino que agora esta perdido, e neste caso a maioria concorda que os aparecimentos devem ter sido na Galileia (Mc 16:7). Em qualquer destes casos, Lucas não depende de Marcos.
8. Quando Lucas emprega matéria Q, não a encaixa simplesmente num arcabouço marcano, mas, sim, combina-a com L. Streeter conclui, a partir de evidencias deste tipo, que Lucas provavelmente tinha completado o primeiro esboço do seu Evangelho antes de ter visto Marcos. Se este for o caso, então Proto-Lucas e extremamente antigo. Os estudiosos tem tido o hábito de atribuir valor especial a Marcos e a Q, porque,documentos mais antigos do que Mateus e Lucas, é que eram tão altamente estimados que estes dois confiassem neles, devem ser tão primitivos quanto fidedignos. Streeter pensa que Proto-Lucas deve ser considerado parte da mesma classe. Sua teoria ressalta o valor de muita coisa em Lucas. Nem todos foram persuadidos por ele, no entanto. Os estudiosos usualmente acham que não foi produzida evidencia suficiente para comprovar que M e L existiam como documentos. Que Mateus e Lucas tinham fontes especiais de informação fica bastante claro. Que estas fontes eram incorporadas em dois documentos não fica claro. Alem disto, se separarmos as passagens atribuídas a Proto-Lucas, alguns não ficarão impressionados. J. M. Creed chama o resultado de “uma coletânea amorfa de narrativa e discurso. Não fica sendo um Evangelho bem contornado. Aqueles, porem, que rejeitam Proto-Lucas, não parecem ter dado uma explicação convincente de dois fatos:
1. Lucas habitualmente combina sua matéria especial com Q, mas nunca com Marcos, e
2. Lucas aparta-se de Marcos muito frequentemente na historia da Paixão. Parece que dava muita importância a sua combinação de Q e L. Era, aparentemente, sua fonte para suas narrativas da Infância, e, perto do começo do seu Evangelho ha um bloco de matéria nao-marcana imediatamente após suas histórias da Infância (3:1-4:30). Ha, e verdade, algumas expressões em comum com Marcos nesta seção, e alguns críticos consideram que Lucas depende de Marcos em todas as partes dela. Isto, porem, dificilmente parece justificado, pois o maior volume desta seção e claramente não-marcano. Ha evidencia de que Marcos e Q coincidiram parcialmente. Por exemplo, Lucas 8:16 aparece num contexto marcano (Mc 4:21) e 11:33, que e muito semelhante, usualmente e atribuído a Q (cf. Mt 5:15). Parece que Lucas tirou este dito das suas duas fontes. O mesmo fenômeno e repetido varias vezes, e isto deixa os estudiosos quase uniformemente convictos que Marcos e Q coincidiam parcialmente. Sendo este o caso, Lucas não precisa ter derivado de Marcos aquilo que parecer ser matéria marcana em 3:1. Talvez tivesse sua origem em Q e, considerando a natureza e a extensão das diferenças, e isto que realmente aconteceu, conforme parece. Muitos já indicaram que se destacarmos as seções marcanas do Evangelho segundo Lucas, ha pouca coesão entre elas. Não dão a impressão de serem o arcabouço do mais longo dos nossos Evangelhos. Este fato da a impressão de que Lucas empregou Marcos tardiamente na sua composição, e não desde o inicio. A certeza e' impossível em tal situação, mas certamente parece que Lucas já tinha estado ativo muito tempo antes de conhecer o Evangelho segundo Marcos. Talvez seja um exagero alegar que já tinha produzido o Proto-Lucas de Streeter. Os fatos parecem melhor esclarecidos se Lucas estava colecionando matérias de uma variedade de fontes, tanto a tradição oral quanto quaisquer escritos que encontrou, e que combinava tudo num documento experimental. A combinação frequente de Q e L parece indicar nada menos do que isto. Depois, quando achou um exemplar de Marcos, encaixou as seleções que achou apropriadas no seu documento parcialmente escrito, alterando a redação onde era necessário. Dalguma maneira semelhante, produziu o presente volume. Ao completar esta seção de nosso estudo, desejo ressaltar que muita coisa permanece incerta. Ao ler algumas explicações do problema sinótico, nunca se poderia descobrir que ha tantas exceções as regras que os estudiosos preconizam. Os fatos são extraordinariamente complexos, e nada mais do que uma hipótese experimental pode ser justificada. O problema deve ser levado adiante. Não podemos trabalhar com estes Evangelhos sem hipóteses dalgum tipo. No estado presente do nosso conhecimento, no entanto, não devemos ser dogmáticos demais.
b. Lucas e João. Um aspecto interessante e enigmático deste Evangelho e o grande número de pontos de contato que tem com o Quarto Evangelho. Ha muito mais do que em qualquer das outros Evangelhos Sinóticos. Destarte, varias pessoas são mencionadas por Lucas e João somente, a saber: Maria e Marta (Joio fala do irmão delas, Lazaro, e Lucas emprega este nome numa parábola), um discípulo chamado Judas que é diferente de Judas Iscariotes, e Anás. Estes dois escritores demonstram um interesse pela Samaria e por Jerusalém muito maior do que qualquer coisa registrada em Mateus e Marcos, e o mesmo se pode dizer das suas referencias ao Templo. Há outras ligações, especialmente na narrativa da Paixão. Os dois, por exemplo, falam do papel de Satanás na traição (Lc 22:3; Jo 13:27); os dois nos dizem que foi a orelha direita do escravo que Pedro cortou no Jardim (Lc 22:50; Jo 18:10); que Pilatos repetiu três vezes que JESUS eia inocente (Lc 23:4, 14, 22; Jo 18:38; 19:4, 6); que o sepulcro de Jose não tinha sido usado antes (Lc 23:53; Jo 19:41); que havia dois anjos na manha da ressurreição (Lc 24:4; Jo 20:12);e que os aparecimentos da ressurreição ocorreram em Jerusalém (Lucas se refere-de modo breve a uma visita ao tumulo, que João descreveu mais detalhadamente, Lc 24:12, 24; Jo 20:3-10). Alguns tem explicado este tipo de coisa ao sustentar que João usou Lucas como uma das suas fontes. Há, porem, outras evidencias que tornam isto improvável.123 Assim, estes dois Evangelhos tem historias acerca de uma mulher que ungiu a JESUS, mas ao passo que Lucas fala de uma prostituta realizando a ação na casa de um fariseu (Lc 7:36ss,), João descreve a ação de Maria, uma amiga de JESUS, no próprio lar dela (Jo 12:1 ss.). Alem disto, ambos contam de uma pesca maravilhosa, Lucas no inicio do ministério de JESUS, e João na ocasião de um dos aparecimentos depois da ressurreição (Lc 5:1 ss.; Jo 21:lss.). Outros exemplos poderiam ser citados de incidentes que são algo semelhantes, mas onde as diferenças são tão importantes como as semelhanças. Tomam muito difícil pensar em dependência direta ou no uso de fontes em comum. Nas circunstancias, a conclusão de Caird não e forte demais: “A inferência inevitável e que Lucas e João estavam dependendo de duas correntes afins de tradição oral.”


O EVANGELHO DE LUCAS - INTRODUÇÃO E COMENTÁRIO - Leon L. Morris, M.Sc., M.Th., Ph.D. - Diretor, Ridley College, Melbourne - l.a edicao: 1983

Reimpressoes: 1986, 1990,1996,1997, 2000,2005,2006,2007 - Publicado no Brasil com a devida autorizacao e com todos os direitos reservados por Sociedade Religiosa Edições Vida Nova,

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