Expositores Impostores



Expositores Impostores

Mike Gilbart-Smith
Mark Dever corretamente descreve a pregação expositiva como “a pregação que toma, para o ponto de um sermão, o ponto de uma passagem particular da Escritura”.
No entanto, tenho ouvido (e pregado!) sermões que pretendem ser expositivos, mas que se enquadram em algo inferior. Abaixo estão doze armadilhas: cinco que não fazem da mensagem de uma passagem a mensagem do sermão e, assim, abusam do texto; cinco que falham em conectar o texto à congregação; e duas que falham em reconhecer que a pregação é, em última análise, obra de Deus.
Nenhuma destas observações é original. Muitas eu aprendi na Eden Baptist Church, em Cambridge, em meados dos anos 90. Outras eu peguei ao longo do caminho. Desde que escrevi um artigo similaralguns anos atrás, eu incluí algumas sugestões que pessoas fizeram para serem adicionadas. Eu estou certo de que você pode pensar em outras.
Impostores que Falham em Ver o Texto
1) O “Sermão Infundado”: o texto é mal entendido
Aqui o pregador diz coisas que parecem ser verdadeiras, mas em nenhum sentido vêm de uma correta interpretação da passagem. Ele é pouco cuidadoso com o conteúdo do texto (por exemplo, o sermão sobre a “resultar, motivar e prover” da tradução Nova Versão Internacional de 1 Tessalonicenses 1.3, sendo que nenhuma dessas palavras está presente no texto grego) ou com o contexto (por exemplo, o sermão sobre Davi e Golias, que pergunta “quem é seu Golias, e o que são as cinco pedras lisas que você precisa para estar preparado para usar contra ele?”).
Se um pregador não está extraindo profundamente a verdade da Palavra de Deus para determinar a mensagem de seus sermões, eles estão provavelmente sendo dirigidos pelas próprias ideias do pregador, não pelas ideias de Deus.
2) O “Sermão Trampolim”: o ponto do texto é ignorado
Intimamente relacionado ao sermão anterior é o sermão no qual o pregador fica intrigado com algo que é uma implicação secundária do texto, mas que não é o ponto principal. Imagine um sermão sobre as bodas de Caná em João 2 que focaliza primariamente a permissão de cristãos beberem álcool e nada diz sobre a manifestação da glória de Cristo na Nova Aliança através do sinal de Jesus transformar a água em vinho.
Uma das grandes vantagens de pregações expositivas sequenciais é que o pregador é forçado a pregar em tópicos que ele preferiria evitar e a dar peso apropriado a tópicos que ele tenderia a superenfatizar. Um pregador de sermões “infundados” ou “trampolins” pode involuntariamente descartar ambas as vantagens, e assim a agenda de Deus é silenciada ou colocada de lado.
3) O “Sermão Doutrinário”: a riqueza do texto é ignorada
Deus deliberadamente tem falado conosco “de muitas maneiras” (Hb 1.1). Muitíssimos sermões ignoram o gênero literário de uma passagem, e pregam narrativa, poesia, epístola e apocalíptica do mesmo modo, como uma série de afirmações proposicionais. Embora todos os sermões devam comunicar verdades proposicionais, eles não devem se reduzir a elas. O contexto literário das passagens deveria significar que um sermão em Cântico dos Cânticos soa diferente de um em Efésios 5. A passagem pode ter o mesmo ponto central, mas é comunicada de uma maneira diferente. A diversidade da Escritura não deve ser nivelada na pregação, mas valorizada e comunicada de uma maneira sensível ao gênero literário. A narrativa deveria nos ajudar a ter empatia, a poesia deveria aumentar nossa resposta emocional e a apocalíptica e a profecia deveriam nos levar ao assombro.
4) O “Sermão Atalho”: o texto bíblico é apenas mencionado
Sendo o oposto do sermão exegético, esse tipo de pregação não mostra absolutamente nenhum “trabalho” exegético. Ainda que o Senhor tenha fixado a agenda pela Sua Palavra, somente o pregador está totalmente ciente desse fato. A congregação pode terminar dizendo: “que sermão maravilhoso”, ao invés de “que passagem da Escritura maravilhosa”.
Encorajaremos nossa congregação a ouvir a voz de Deus, e não somente a nossa, ao apontá-los frequentemente de volta ao texto bíblico: “veja o que Deus diz no verso cinco” mais do que “ouça cuidadosamente o que eu estou dizendo agora”.
5) O “Sermão Sem Cristo”: o sermão interrompido sem o Salvador
Jesus repreendeu os fariseus: “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.39,40). Quão triste é que, mesmo nós, que fomos a Jesus para ter vida, levemos toda uma congregação a estudar uma passagem da Escritura, e ainda assim nos recusemos a levá-la a ver o que essa Escritura diz sobre Cristo, tornando textos do Antigo Testamento em sermões moralistas, e até mesmo pregando sermões sem Cristo e sem evangelho dos próprios Evangelhos. Imagine o horror de um sermão na narrativa do Getsêmani que se concentre em como nós podemos lidar com o estresse em nossas vidas.
Se a Palavra de Deus é como uma enorme roda, o cubo da roda1 é Cristo e o eixo é o evangelho. Nós não teremos pregado fielmente nenhuma passagem da Escritura até que tenhamos encaixado os raios ao cubo, e comunicado o que a passagem diz sobre Cristo e como se relaciona com o evangelho.
Impostores que Falham em Ver a Congregação
6) O “Sermão Exegético”: o texto fica não aplicado
Se o “sermão infundado” perde totalmente o texto, o “sermão exegético” perde totalmente a congregação. Algumas pregações que alegam ser expositivas são rejeitadas como chatas e irrelevantes... e corretamente! Algumas poderiam muito bem ser lidas em um comentário exegético. Tudo o que é dito é verdadeiro em relação à passagem, mas não é realmente pregação; é meramente uma palestra. Muito pode ser aprendido sobre o uso que Paulo faz do genitivo absoluto, mas pouco sobre o caráter de Deus ou a natureza do coração humano. Não há aplicação a nada, exceto à mente da congregação. Certamente a verdadeira pregação expositiva, primeiro, informará a mente, mas também aquecerá o coração e compelirá a vontade.
Uma dieta regular de pregação exegética fará as pessoas sentirem que somente pregações tópicas podem ser relevantes, e modelará leituras da Bíblia que presumem que nós podemos ler a Palavra de Deus fielmente e ainda permanecer não desafiados e inalterados.
7) O “Sermão Irrelevante”: o texto é aplicado a uma congregação diferente
Muitas pregações promovem orgulho na congregação ao jogar pedras por cima do muro no quintal do vizinho. Ou o ponto da passagem é aplicado somente aos descrentes, sugerindo que a Palavra não tem nada a dizer à igreja ou é aplicado a problemas que são raramente vistos na congregação para a qual se está pregando.
Assim, a congregação se torna inchada e, como os fariseus nas parábolas de Jesus, termina agradecida de que não é como os outros. A resposta não é arrependimento e fé, mas “Se aquela senhora ouvisse esse sermão!” ou “aquela outra igreja realmente deveria ter esse sermão pregado a eles!”.
Esse tipo de pregação fará a congregação crescer em justiça própria, não em piedade.
8) O “Sermão Privado”: o texto é aplicado somente ao pregador
É fácil para o pregador pensar meramente sobre como a passagem se aplica a ele mesmo, e então pregar à congregação como se a congregação estivesse exatamente na mesma situação que o pregador. Para mim, é certamente mais fácil ver como uma passagem da Escritura se aplica a um homem branco britânico com seus quarenta anos, com uma esposa e seis crianças, que trabalha como pastor de uma pequena congregação na zona oeste de Londres. Isso pode ser maravilhoso para meus momentos de devocionais, mas de não muito útil para minha igreja, já que ninguém mais se encaixa nessa lista.
Quais são as implicações do texto para os adolescentes e as mulheres solteiras? Para a mulher com seus quarenta anos que deseja se casar e o imigrante? Para o desempregado e o visitante ateu ou muçulmano? Para a congregação como um todo e o motorista de ônibus, ou o que trabalha no escritório ou o estudante ou o que mora na casa da mãe?
O sermão privado pode levar a congregação a pensar que a Bíblia só é relevante ao cristão “profissional”, e que o único uso válido da sua vida seria, realmente, trabalhar em tempo integral para a igreja ou outra organização cristã. Esse sermão pode fazer a congregação idolatrar seu pastor e viver sua vida cristã vicariamente através dele. Esse sermão impede a congregação de enxergar como deve aplicar a Palavra a cada aspecto de sua vida e como comunicá-la àqueles cujas vidas são muito diferentes da sua própria.
9) O “Sermão Hipócrita”: o texto é aplicado a todos, menos ao pregador
O erro oposto do “sermão privado” é o sermão no qual o pregador é visto como aquele que ensina a Palavra, mas não é um modelo do que significa estar sob a Palavra. Há momentos quando um pregador precisa dizer “você” e não “nós”. Mas um pregador que sempre diz “você” e nunca “nós” não é um modelo de como ser apenas um subpastor que é, primeiro e antes de tudo, uma das ovelhas que deve, ela mesma, ouvir a voz do seu grande Pastor, conhecê-lo e segui-lo, confiando nele para sua vida eterna e segurança.
Um pregador que prega dessa forma pode cometer o erro oposto ao da congregação que vive vicariamente através do seu pastor: ele viverá vicariamente através da sua congregação. Ele assumirá que seu discipulado é inteiramente sobre seu ministério e, no fim das contas, terminará não andando como um discípulo sob a Palavra de Deus, mas somente como alguém que coloca outros sob a Palavra, acima da qual ele se assenta distante.
10) O “Sermão Desajustado”: o ponto da passagem é mal aplicado à congregação presente
Algumas vezes a distância hermenêutica entre a passagem original e a presente congregação pode ser mal entendida, de tal modo que a aplicação ao contexto original é, de modo errôneo, transferida diretamente ao contexto presente. Assim, se o pregador não tem uma correta teologia bíblica de culto, passagens sobre o templo do Antigo Testamento podem ser erroneamente aplicadas ao edifício da igreja do Novo Testamento, ao invés de serem cumpridas em Cristo e em seu povo. Os pregadores do evangelho da prosperidade podem reivindicar as promessas das bênçãos físicas dadas ao Israel fiel da Antiga Aliança e aplicá-las irrefletidamente ao povo de Deus da Nova Aliança.
Impostores que Falham em Ver o Senhor
Aulas de pregação frequentemente referem-se aos dois horizontes da pregação: o texto e a congregação. Mas o pregador cristão deve reconhecer que por trás de ambos encontra-se o Senhor que inspirou o texto e que está operando na congregação.
11) O “Sermão Sem Paixão”: o ponto da passagem é falado, não pregado
Seria possível haver um pregador que entendesse absolutamente a passagem e falasse sobre suas implicações à congregação presente de maneira capaz e até mesmo profunda. Porém, o pregador entrega o sermão como se ele estivesse lendo uma lista telefônica. Não há nenhum senso de que, quando o pregador entrega a Palavra de Deus, Deus mesmo está se comunicando com seu povo. Quando o pregador falha em reconhecer que é Deus mesmo, através de sua Palavra, que está pleiteando, encorajando, repreendendo, treinando, exortando, moldando e aprimorando seu povo, através da aplicação que o Espírito faz daquela Palavra, frequentemente não haverá paixão, reverência, solenidade, alegria visível, lágrimas de dor perceptíveis – apenas palavras.
12) O “Sermão Sem Poder”: o ponto da passagem é pregado sem oração
Tanto tempo é dedicado ao estudo da passagem e à elaboração do sermão que pouco tempo é dedicado à oração pela compreensão correta ou aplicação apropriada.
O pregador que trabalha duro, mas ora pouco, confia mais em si mesmo e menos no Senhor. Essa é, talvez, uma das maiores tentações nas quais se pode cair, como um expositor, pois talvez só aqueles com maior discernimento na congregação estejam aptos a perceber uma exegese falsa ou uma aplicação inadequada, mas a diferença que a oração do pregador fez para o impacto do sermão será clara somente ao Senhor e no dia quando todas as coisas forem reveladas. Os horizontes do Senhor e da eternidade devem, em última análise, ser os mais importantes para o pregador; de fato, ele só deveria realmente se preocupar com os horizontes do texto e da congregação porque os horizontes do Senhor e da eternidade são invisíveis, ainda que de importância infinita.
Conclusão
A pregação expositiva é tão importante para a saúde da igreja porque ela permite que todo o conselho de Deus seja aplicado a toda a igreja de Deus. Que o Senhor prepare pregadores de sua Palavra de tal modo que sua voz seja ouvida e obedecida.
Notas:
Nota do editor: Este artigo é uma versão revisada expandida de um artigo que Mike escreveu vários anos atrás.
1 - Nota do tradutor: O cubo é a parte central da roda que liga toda a roda ao eixo e ao sistema de freios.
Tradução: André Aloísio Oliveira da Silva
Revisão: Vinícius Musselman Pimentel

Pastor Estevam Ângelo de Sousa pregando.







Estevam Ângelo de Souza (1922 - 1996)


Pastor Estevam Ângelo de Souza (1922 - 1996) foi um escritor, teólogo e grande líder que dirigiu as Assembleia de Deusno estado do Maranhão entre os anos de 1957 a 1996. Sob sua liderança foram criados o Colégio "Bueno Aza", aSociedade Filantrópica Evangélica do Maranhão, a Fundação Cultural Pastor José Romão de Souza e a Rádio FM Esperança. Assumiu a presidência da Assembléias de Deus no Maranhão em 1957 com apenas 3 templos e no ano de1996 já contava com 167 igrejas construídas. Faleceu em 1996, aos 73 anos de idade, em um acidente automobilístico.

Obras (Livros Publicados)

  • O Pai-Nosso
  • O Bom Despenseiro
  • Com Quem Caim Casou
  • As Características da Igreja de Cristo
  • Liberdade Para os Jovens
  • Relação Entre Jovens e Velhos
  • Títulos e Dons do Ministério Cristão
  • Um Católico Que Foi Salvo
  • Os Nove Dons do Espírito Santo
  • Nos Domínios do Espírito
  • Guia Básico de Oração
  • Os Macacos Evoluídos (texto inacabado)
  • O Padrão Divino Para Uma Família Feliz (publicado pela CPAD sob o titulo "... E Fez Deus a Família")
  • Os Rastros de Um Servo (autobiografia não publicada)

Estevam Ângelo de Souza: um conceito de ministério




No dia 14 de fevereiro de 1996, se encerrava a carreira ministerial e de vida de um dos mais proeminentes líderes das Assembleias de Deus no Brasil e no Nordeste. Nessa fatídica data, morria vítima de uma acidente automobilístico, o pastor Estevam Ângelo de Souza. Foram 49 anos de ministério pastoral, e quase 40 anos como pastor da igreja de São Luís no Maranhão.

Nascido no interior do Maranhão, Estevam se converteu aos 21 anos de idade, e logo se tornou evangelista itinerante. Evangelizou o Estado do Piauí durante dois anos, sem ter campo definido ou ajuda financeira. Segundo seus próprios relatos, percorria mais de 300 quilômetros a pé a vasta região dos sertões piauienses, evangelizando e visitando os poucos crentes espalhados pela região. Levando sempre uma maca nas costas e tendo o chapéu de palha como "moradia", Estevam iniciou assim de forma rudimentar seu ministério, que aos poucos se desenvolveu e se consolidou como o mais influente na AD do Maranhão.

Quando assumiu o pastorado da AD na capital maranhense, o Estado passava por duas transições. A primeira era política, quando o Estado deixava para trás a época vitorinista (nome dado a hegemonia de Vitorino Freire na política estadual) e se ajustava a ascensão do clã Sarney na condução da política. A outra era urbana, pois nesse período a população do Estado se urbanizava e conflitos agrários se intensificavam no interior com a participação de crentes pentecostais no processo.



Assim, Estevam Ângelo de Souza conviveu com agudas transformações sociais, políticas e econômicas do seu tempo. Viveu os desafios e as tensões que o cargo lhe oferecia. Na década de 70 permitiu que o então governador José Sarney subisse ao púlpito da igreja, mas por outro lado não permitia que outros políticos adentrassem na igreja e utilizassem a sua imagem para proveito próprio. Essa relação dúbia com a política talvez se explique pelas perseguições ferozes ocorridas no começo do pentecostalismo no nordeste, onde apedrejamentos e perseguições eram comuns. Obter o favor de autoridades era um grande passo na proteção necessária para se pregar o evangelho, mas por outro lado o púlpito poderia se tornar palanque privilegiado para alguns.

Durante o tempo que pastoreou a igreja, exerceu um estilo personalista e centralizador da administração eclesiástica da AD estadual. Foi durante muito tempo, presidente, motorista e datilógrafo da igreja, sendo ajudado por fiéis e filhos no desempenho de suas funções. Viajou pelo Brasil e o mundo pregando e ensinando as doutrinas pentecostais, escreveu artigos, livros e foi comentarista das lições da escola dominical da CPAD. Muitos membros da AD foram edificados por seus ensinos, principalmente sobre os dons espirituais e seu uso na igreja.

A vida e obra do pastor Estevam pode servir de base para algumas reflexões. Talvez a mais necessária nos dias de hoje seja sobre a sua visão de ministério; visão essa que para muitos se transformou extremamente de alguns anos pra cá. Em uma entrevista concedida ao Mensageiro da Paz de outubro de 1992, pastor Estevam, ao recordar os primórdios do seu ministério, das longas caminhadas e privações, recordou que "Naquele tempo, ministério era sinônimo de sacrifício." Essa preocupação, ele deixou evidente ainda mais em um longo texto escrito para o MP em janeiro de 1989 onde constatou que "Já vemos muitos púlpitos sem mensagem e muitas pregações sem conteúdo bíblico e espiritual. Aí estão os que exercem o ministério como meio de ganhar a vida e não de ganhar almas."

Pastor Estevam era um obreiro que percebia a transição que a AD passava naquele momento. Seus textos refletem muito as preocupações doutrinárias, éticas e políticas da denominação que ele ajudou a consolidar no Brasil. E a questão ministerial era, pelo que se percebe, um ponto crucial para ele. Para um homem com uma trajetória de vida marcada pela extrema dificuldade, certamente o uso do ministério para ostentação de riqueza, poder e fama não eram facilmente digeridos. Para ele "seria vergonha um pastor morrer rico."

Mas infelizmente suas preocupações cada vez mais se confirmam. Entrevistas em que televangelistas ostentam e esbanjam abertamente, e sem qualquer pudor seus ganhos milionários são recebidos por alguns como algo normal. A teologia da prosperidade é adaptada, reciclada e pregada em algumas igrejas, com o único intuito de legitimar fortunas e comportamentos nada evangélicos de seus líderes. Ministério hoje é lucro, abundância, poder, manipulação, show, espetáculo, política, grandes negócios e muito mais. Mas sinônimo de sacrifício... só quem sabe para um remanescente fiel.

Fontes consultadas:

ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.

HALO, Pekelman. Stéfano dos Anjos, do Piauí ao Maranhão, da pobreza ao reino ditoso. Artigo, em seu formato original, foi escrito em janeiro de 2006. Foi porém revisto e ampliado em virtude de sua apresentação no X Simpósio da ABHR – Assis, São Paulo.

MOTA, Elba. Modelos e limites de um estudo biográfico: a trajetória do pastor Estevam Ângelo de Souza. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.
MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro: CPAD.  Ano 58, n. 1.225, jan. 1989.

MENSAGEIRO DA PAZ. Rio de Janeiro: CPAD.  Ano 62, n. 1.267, out. 1992.

A Assembleia de Deus daqui a 50 anos




Até Nabucodonosor se preocupava com o que seria o seu reino depois dele (Dn 2. 9). Só que ele soberbamente se preocupava com sua própria grandeza e a de seus herdeiros no reino.

Quanto a nós, que constituímos a Assembléia de Deus no Brasil, de modo especial os que têm o encargo da liderança, é justo que nos preocupemos com o futuro desta Igreja a quem Deus confiou grandes responsabilidades. nestes tempos que precedem a vinda do Senhor Jesus.
Há anos passados, a revista OBREIRO publicou um artigo nosso, em que expusemos três fases importantes da Assembléia de Deus no Brasil: fundação, expansão e consolidação, com vistas a alertar a liderança da Igreja na atual geração para a enorme responsabilidade que lhe toca quanto à manutenção do padrão bíblico da igreja, seu nível espiritual e sua condição para satisfazer os santos propósitos de Deus quanto à salvação do mundo e sua conseqüente grandeza e estabilidade espiritual.
Nas linhas que compõem este trabalho, formulamos uma PERGUNTA ( ? ), cuja resposta só virá cabalmente daqui a meio século. Nesse tempo não estarei mais aqui para testemunhar os fatos que hoje são objeto de nossa preocupação. Muitos outros, seja qual for sua condição espiritual, já estarão também na eternidade. Se Jesus não vier antes disso, muitos jovens que leram este artigo certamente se recordarão das nossas predições e, esperamos, permita o Senhor da Glória as vejam cumpridas em seus aspectos positivos. Amém!
À luz das Sagradas Escrituras, a Igreja de Jesus Cristo por Ele edificada (Mt 16.18), não deveria ter uma história tão acidentada, incluindo freqüentes e longos períodos de retrocessos e derrotas a que os séculos têm testemunhado. Isto tem todas as vezes que os homens têm falhado no cumprimento da missão divina.
Jesus entregou a direção da Sua Igreja a homens a quem chamou e vocacionou com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo… (Ef 4.11-14). Há, certamente, nos anais do Tribunal de Cristo, fartos registros de muitos, que em diferentes épocas, em suas respectivas gerações, cumpriram fielmente a divina missão e contribuíram satisfatoriamente para que a Igreja atingisse as metas estabelecidas por Cristo. Também deve haver a “nota” dos que, nos seus dias, pelos motivos que “bem lhes pareceram” inconscientes ou teimosamente, egoísta ou displicentemente levaram a Igreja do Senhor ao nível de mera organização religiosa, inoperante e sem vida (Ap 3.1).
O espaço não nos permite enumerar os fatores que têm prejudicado a igreja, mas dentre os muitos, a desunião entre os ministros figura entre os que mais têm contribuído para grandes males. Maldito os encontros, malditos os discursos, malditas as decisões que têm contribuído para lançar discórdia no seio da Igreja de Deus e semear intriga entre irmãos em Cristo. O poder do Espírito só se manifesta onde há unidade de Espírito.
As desavenças entre os que pregam a paz tanto causam escândalo e perturbação como entristecem o Espírito Santo e, conseqüentemente, impedem o avivamento.
Não é sem propósito que Deus tem infundido em tão grande número de cristãos a crença no batismo com o Espírito Santo e o revestimento de poder, nestes dias em que a densidade demográfica tem alcançado proporções alarmantes. Temos hoje um maior número de crentes de todos os tempos e o maior número de descrentes, desde que o mundo existe. Temos também os maravilhosos recursos da tecnologia moderna e dos meios de comunicação.­
É a vontade de Deus que haja nestes últimos dias muitos milhões de crentes salvos, cheios do Espírito Santo e de poder, pois há bilhões de perdidos por evangelizar. Por que falamos de crentes cheios do Espírito Santo e de poder ? Porque crentes fracos e sem vida não evangelizam.

A história registra o declínio espiritual de numerosos movimentos espirituais aos 50 anos de existência. Conheço a Assembléia de Deus há 47 anos. Hoje está bem maior do que quando aceitei a fé, mas, em proporção, deveria estar ainda muito maior. Se todos vivessem e trabalhassem no poder do Espírito, a colheita seria muito mais abundante.
Passemos à grande pergunta. O que será a Assembléia de Deus daqui a 50 anos? Percebo que é bem alto o índice de pessoas que necessitam de maior e mais profunda experiência com Deus. Que tenham realmente a experiência da salvação e do novo nascimento. Receio que esteja muito estreito o vínculo divisório entre a Igreja e mundo, e parece-me que forças estranhas estão empenhadas por obliterá-lo. Para isto estão contribuindo os que substituem a simplicidade e a modéstia cristã pelas modas e costumes mundanos. Os que desprezam a meditação na Palavra de Deus e a oração pelos programas formalistas e os que se ocupam só de ensaios. Os que fogem da Escola Dominical e da evangelização, por comodismo ou displicência. Os que passam o domingo na praia e os que já deixam os cultos pelas novelas. Os que têm a responsabilidade do ministério, mas não cumprem a prescrição divina: “Prega a palavra, insta, a tempo e fora de tempo, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade a doutrina” (2 Tm 4.2).
Já vemos muitos púlpitos sem mensagens e muitas pregações sem conteúdo bíblico e espiritual. Aí estão os que exercem o ministério como meio de ganhar a vida e não as almas. Por este caminho seguiram muitas igrejas que hoje possuem pequenos templos, grandes demais para os que se congregam. Por esta senda trilharam igrejas das quais só resta a organização, que estão fechando seus templos ou vendendo-os a ateus e inimigos do evangelho. Estas coisas estão acontecendo em nossos dias e alguns casos são do nosso conhecimento pessoal. Tudo isto pode acontecer quando o orgulho denominacional e a vaidade do pregador e dos crentes tomam o lugar da santidade e do poder do Espírito Santo no seio da Igreja. Estas coisas constituem grandes male, refletindo, além disso, o mal maior – a pobreza espiritual dos crentes. Se a Assembléia de Deus não vigiar e não fechar as portas para os males ai denunciados, se seguir o exemplo dos que trocaram a Bíblia pela “etiqueta social”, se apegar-se aos métodos humanos em detrimento da oração e da pregação da Palavra de Deus no poder do Espírito Santo, daqui a 50 anos poderá ser apenas uma grande denominação composta de muitos doutores e mestres modernistas sem vida, aplaudidos por aqueles que “não suportam a sã doutrina”, que sofrem “coceira nos ouvidos” (1 Tm 4.3,4); poderá ser apenas uma grande denominação, no entanto, menos numerosa do que hoje! Igreja sem doutrina e sem o poder de Deus, da qual, na melhor das hipóteses, os crentes se tornam semelhantes aos sete mil contemporâneos de Elias –existem, mas só Deus sabe onde eles estão!
Há os que presunçosa ou teimosamente estão ensinando que, ou a Assembléia de Deus muda a sua norma doutrinária e disciplinar (abre as portas para o mundo), ou então se esvaziará. Isso não é verdade. É antibíblico. É demoníaco. É a voz tentadora do inimigo de Deus e da Igreja. Ao contrário, se a Igreja abrir as portas para o mundo, estará fechando-as para o Espírito Santo, e, assim de fato, inevitavelmente, esvaziar-se-á, conforme os tristes exemplos acima aludidos, que estão às vistas de quantos tenham olhos para ver.
Se ao contrário, a Igreja perseverar na doutrina dos apóstolos (At 2,42), no poder do Espírito Santo (At 1.8; Ef 5.18) ) e na santidade da Palavra de Deus (Ef 5.26,27), os levianos, inconscientes e mundanos poderão sair, mas a Igreja continuará “edificando-se e caminhando no temor do Senhor, no conforto do Espírito Santo e crescendo em número (At 9.31). A prova disto são os muitos milhares de jovens crentes da Assembléia de Deus que vivem na plenitude do Espírito Santo, e são, na Igreja exemplo de santidade, sincera devoção e eficiente atividade”.
Devemos admitir, com tristeza, que tem diminuído o percentual dos que oram, dos que evangelizam, dos que se convertem, dos que são batizados com o Espírito Santo, e da operação de curas e dos milagres. Essas atividades e operações são o melhor aspecto de um avivamento espiritual autêntico.
Não convém dissimular. É mister que aceitemos a realidade e armemo-nos com a armadura de Deus (Ef 6. 10-18), para enfrentarmos esta situação, reconduzindo a Igreja ao padrão bíblico e divino, antes que tenhamos a lamentar, semelhante ao povo de Deus no passado: “Já não vemos nossos sinais, já não há profeta” (Sl 74.9).

Por outro lado, a Igreja Assembléia de Deus no Brasil tem tudo para se tornar uma potência espiritual capaz de cumprir a divina missão de levar o mundo a Cristo. A Igreja já se compõe ele vários milhões de membros, na maioria jovens. Possui em suas fileiras muitas pessoas com diferentes cursos universitários e já se projeta no cenário político nacional. Com todo este potencial colocado nas mãos de Deus, corrigindo as falhas já registradas, promovendo o reajustamento da verdadeira fraternidade entre pastores e membros em geral, reintegrando-se totalmente nos padrões genuinamente pentecostais, dando ênfase ao batismo com o Espírito Santo e ao real revestimento de poder, pela santidade e pureza dos costumes, pela obediência à Palavra de Deus e pela consagração, proporcionando ao Espírito Santo de Deus o ambiente adequado para a manifestação dos dons. Se todos pregarem a mensagem salvadora, ungida pelo Espírito Santo e ilustrada pelos bons exemplos, daqui a 50 anos, a Assembléia de Deus terá atingido todas as classes sociais, influenciando-as positivamente com o conhecimento da verdade do evangelho, inclusive as autoridades e o governo em todos os seus escalões.
Isto, no entanto, nunca será alcançado por uma denominação simplesmente numerosa, mas por uma Igreja que trabalha e vive na santidade da Palavra de Deus e no poder do Espírito Santo.

O progresso e o triunfo total da Igreja dependem e dependerão sempre de um avivamento permanente e poderoso. E, em relação a esse avivamento, há três grupos distintos no seio da Igreja.
Primeiro grupo – os que estão contribuindo para que o avivamento continue. São os que realmente nasceram de novo, que servem e obedecem a Deus por amor, que se alimentam diária e regularmente da leitura e meditação na Palavra de Deus e da oração, que respeitam a sã doutrina como regra infalível de fé e prática, que se conservam dentro dos padrões bíblicos quanto à sobriedade e à modéstia cristã, que praticam e promovem a fraternidade por respeito à paternidade divina, que contribuem para o progresso da obra de Deus com o seu trabalho e com o seu dinheiro, que praticam o cristianismo no templo, em casa e no trabalho, os que pregam o que vivem o que pregam; enfim, os que vivem em Cristo, por Cristo e para Cristo!
Segundo grupo – os que não estão contribuindo para que o avivamento aconteça. Este grupo se compõe dos que professam a fé no evangelho, não causam escândalo na Igreja nem na sociedade, que vão aos cultos nos dias de festa e domingo de bom tempo, mas não compartilham das orações e da evangelização e não participam das responsabilidades financeiras da Igreja; enfim, os que desempenham o papel de meros espectadores decentes!
Terceiro grupo – o dos que contribuem para que o avivamento não aconteça ou desapareça. Este é composto dos que se dizem crentes, mas são crentes do seu próprio modo. Não honram a sã doutrina e os bons costumes mas querem ser honrados; não respeitam o ministério da Igreja, mas querem os privilégios da liderança e posições destacadas; que dão mal testemunho na vizinhança e no comércio onde exalam o mal cheiro dos seus negócios feios; são insatisfeitos e murmuradores, maledicentes e intrigantes; são os que causam divisões e promovem discórdias e desordem no seio da Igreja de Deus, não evangelizam, não oram e não cooperam financeiramente; enfim, os que contribuem para desacreditar o Evangelho e entristecer o Espírito Santo (Ef 4.30).

Por outro lado, são igualmente prejudiciais à marcha do avivamento, os que confundem o poder de Deus com barulho, vida espiritual abundante com fanatismo, os que buscam ser aplaudidos ostentando uma espiritual idade irreal, bem como os que vivem de empolgações infrutíferas, que levam ao descrédito a operação do Espírito Santo.
O leitor já sabe a qual destes grupos deve pertencer? Qual o seu grupo?

Você está colaborando para. que a sua igreja seja um organismo vivo, poderoso, para que ela cumpra cabalmente sua missão no plano de Deus para o mundo e seja apresentada a Cristo Igreja gloriosa, sem mácula e sem ruga? O futuro da Igreja depende muito da sua condição espiritual e do que você fizer por ela hoje!
Pr. Estêvam Ângelo de Souza

Solus Christus – Série 5 Solas



Solus Christus

Joel Beeke

A teologia reformada afirma que a Escritura e sua doutrina sobre a graça e fé enfatizam que a salvação é solus Christus, “somente por Cristo”, isto é, Cristo é o único Salvador (Atos 4:12). B.B. Warfield escreveu: “O poder salvador da fé reside, portanto, não em si mesma, mas repousa no Salvador Todo Poderoso”.
A centralidade de Cristo é o fundamento da fé protestante. Martinho Lutero disse que Jesus Cristo é o “centro e a circunferência da Bíblia” — isso significa que quem ele é e o que ele fez em sua morte e ressurreição são o conteúdo fundamental da Escritura. Ulrich Zwingli disse: “Cristo é o Cabeça de todos os crentes, os quais são o seu corpo e, sem ele, o corpo está morto”.
Sem Cristo, nada podemos fazer; nele, podemos fazer todas as coisas (João 15:5; Filipenses 4:13). Somente Cristo pode trazer salvação. Paulo deixa claro em Romanos 1-2 que, embora haja uma auto-manifestação de Deus além da sua obra salvadora em Cristo, nenhuma porção de teologia natural pode unir Deus e o homem. A união com Cristo é o único caminho da salvação.
Nós precisamos urgentemente ouvir solus Christus em nossos dias de teologia pluralista. Muitas pessoas hoje questionam a crença de que a salvação é somente pela fé em Cristo. Como Carl Braaten diz, eles “estão voltando à velha e falida forma de abordagem cristológica do século XIX, do liberalismo protestante, e chamando-a de “nova”, quando, na verdade, é pouco mais que uma “Jesusologia” superficial”. O resultado final é que, atualmente, muitas pessoas, como H.R. Niebuhr disse em sua famosa frase a respeito do liberalismo — proclamam e adoram “um  Deus sem ira, o qual trouxe homens sem pecado para um reino sem julgamento por meio de ministrações de um Cristo sem a cruz”.
Nossos antepassados reformados, aproveitando uma perspectiva que rastreia todo o caminho de volta aos escritos de Eusébio de Cesaréia, no século IV, acharam útil pensar a respeito de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei. A Confissão Batista de Londres de 1689, por exemplo, coloca isso da seguinte forma: “Cristo, e somente Cristo, está apto a ser o mediador entre Deus e o homem. Ele é o profeta, sacerdote e rei da igreja de Deus” (8.9). Observemos mais detalhadamente esses três ofícios.
Cristo, o Profeta
Cristo é o Profeta que precisamos para nos instruir nas coisas de Deus, a fim de curar a nossa cegueira e ignorância. O Catecismo de Heidelberg o chama de “nosso principal Profeta e Mestre, que nos revelou totalmente o conselho secreto e a vontade de Deus a respeito da nossa redenção” (A. 31). “O Senhor, teu Deus”, Moisés declarou em Deuteronômio 18:15, “te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás”. Ele é o Filho de Deus, e Deus exige que nós o escutemos (Mateus 17:5).
Como o Profeta, Jesus é o único que pode revelar o que Deus tem planejado na história “desde a fundação do mundo”, e que pode ensinar e manifestar o real significado das “escrituras dos profetas” (o Antigo Testamento, ver Romanos 16:25-26). Podemos esperar progredir em nossa vida cristã apenas se dermos ouvidos à sua instrução e ensino.
Cristo, o Sacerdote
Cristo é também o Sacerdote—nosso extremamente necessário Sumo Sacerdote que, como diz o Catecismo de Heidelberg: “pelo sacrifício de Seu corpo, nos redimiu, e faz contínua intercessão junto ao Pai por nós” (A. 31). Nas palavras da Confissão Batista de Londres de 1689 “por causa do nosso afastamento de Deus e da imperfeição de nossos melhores serviços, precisamos de seu ofício sacerdotal para nos reconciliar com Deus e nos tornar aceitáveis por ele” (8.10).
A salvação está somente em Jesus Cristo, porque há duas condições que, não importa o quanto nos esforcemos, nunca poderemos satisfazer. No entanto, elas devem ser cumpridas se estamos para ser salvos. A primeira é satisfazer a justiça de Deus pela obediência à lei. A segunda é pagar o preço de nossos pecados. Nós não podemos cumprir nenhuma dessas condições, mas Cristo as cumpriu perfeitamente. Romanos 5:19 diz: “ por meio da obediência de um só, muitos se tornarão justos”. Romanos 5:10 diz: “nós, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho”. Não há outra maneira de entrar na presença de Deus a não ser por meio de Cristo somente.
O sacrifício de Jesus ocorreu apenas uma vez, mas ele ainda continua sendo nosso grande Sumo Sacerdote, aquele através do qual toda a oração e louvor são feitos aceitáveis a Deus. Nos lugares celestiais, ele continua sendo nosso constante Intercessor e Advogado (Romanos 8:34; 1 João 2:1). Não é de se admirar, então, que Paulo diz que a glória deve ser dada a Deus “por meio de Jesus Cristo pelos séculos dos séculos” (Romanos 16:27). O gozo de achegarmo-nos a Deus pode crescer apenas por uma confiança profunda nele como nosso sacrifício e intercessor.
Cristo, o Rei
Finalmente, Cristo é o Rei, que reina sobre todas as coisas. Ele reina sobre sua Igreja por meio de seu Espírito Santo (Atos 2:30-33). Ele soberanamente dá o arrependimento ao impenitente e concede perdão ao culpado (Atos 5:31). Cristo é “o nosso Rei eterno que nos governa por sua Palavra e Espírito, e que defende e preserva-nos no gozo da salvação que ele adquiriu para nós” (O Catecismo de Heidelberg, P&R.31). Como o Herdeiro real da nova criação, ele nos levará a um reino de eterna luz e amor.
Neste sentido, podemos concordar com João Calvino quando ele diz: “Nós podemos passar pacientemente por esta vida com sua miséria, frieza, desprezo, injúrias e outros problemas—satisfeitos com uma coisa: que o nosso Rei nunca nos deixará desamparados, mas suprirá as nossas necessidades, até que, ao terminar nossa luta, sejamos chamados para o triunfo”. Podemos crescer na vida cristã apenas se vivermos obedientemente sob o domínio de Cristo e pelo seu poder.
Se você é um filho de Deus, Cristo em seu tríplice ofício como Profeta, Sacerdote e Rei significará tudo para você. Você ama solus Christus? Você o ama em sua pessoa, ofícios, naturezas e benefícios? Ele é o seu Profeta para ensinar-lhe; o seu Sacerdote para sacrificar e interceder por você e lhe abençoar, e o seu Rei para governá-lo e guiá-lo?
Depois de uma execução empolgante da Nona Sinfonia de Beethoven, o famoso maestro italiano Arturo Toscanini disse à orquestra: “Eu não sou nada. Você não é nada. Beethoven é tudo”. Se Toscanini pode dizer isso sobre um compositor brilhante, mas que está morto, quanto mais os cristãos devem dizer o mesmo sobre o Salvador que vive, o qual, no que diz respeito à nossa salvação, é o compositor, músico e até mesmo a própria bela música.

Sola Fide – Série 5 Solas



Sola Fide

J. V. Fesko

Em 1647, um grupo de pastores e teólogos reformados reunidos na Abadia de Westminster, em Londres, elaborou um conjunto de documentos que hoje conhecemos como os Padrões de Westminster, que incluem a Confissão de Fé, o Catecismo Maior e o Breve Catecismo. Os teólogos procuraram sistematizar o ensino reformado a fim de criar uma igreja Reformada unificada nas Ilhas Britânicas. Na pergunta e resposta 33 do Breve Catecismo, eles resumem um dos principais pilares da tradição reformada:
O que é a justificação? Justificação é um ato da livre graça de Deus, através da qual ele perdoa todos os nossos pecados e nos aceita como justos diante de si, somente pela justiça de Cristo a nós imputada e recebida pela fé somente.
Incluída nesta breve declaração está a ideia de que os pecadores são justificados sola fide - somente pela fé. Mas o que significa sola fide? Antes de mergulhar em seu significado, um pouco de contexto histórico é essencial para entender a sua importância. Uma pessoa só pode apreciar verdadeiramente uma luz brilhante contra o pano de fundo da escuridão.
Um Pano de Fundo das Trevas
Quando Martinho Lutero pregou suas Noventa e Cinco Teses na porta da Igreja do Castelo em Wittenberg, em 1517, demorou algum tempo para que as implicações da sua ação reverberassem ao longo da história. O fruto de seu trabalho emergiu em algumas confissões luteranas e reformadas, as quais afirmaram que os pecadores são declarados justos aos olhos de Deus, não com base em suas próprias boas obras, mas somente pela fé, somente em Cristo e pela graça de Deus somente - sola fide, solus Christus e sola gratia. A Igreja Católica Romana foi compelida a responder, e o fez no famoso Concílio de Trento, quando realizou uma série de pronunciamentos sobre a doutrina da justificação em sua sexta sessão, em 13 de janeiro de 1547.
Dentre os muitos pontos que Roma apresentou, vários deles reivindicações-chave, os principais foram: (1) que os pecadores são justificados pelo seu batismo, (2) que a justificação é pela fé em Cristo e pelas boas obras de uma pessoa, (3) que os pecadores não são justificados unicamente pela justiça imputada de Jesus Cristo, e (4) que uma pessoa pode perder sua posição de justificação. Todos esses pontos se fundem na seguinte declaração:
Se alguém disser que o pecador é justificado somente pela fé, ou seja, que não é necessária nenhuma outra forma de cooperação para que ele obtenha a graça da justificação e que, em nenhum sentido, é necessário que ele faça a preparação e seja eliminado por um movimento de sua própria vontade: seja anátema. (Canon IX)
A Igreja Católica Romana claramente condenou a sola fide - não confessou que os pecadores são justificados somente pela fé.
Uma Luz na Escuridão
Em contraste com esse pano de fundo, podemos apreciar como o Breve Catecismo define biblicamente a doutrina da justificação e explica o que é sola fide. Para Roma, os pecadores são justificados pela fé e obras. Sua doutrina da fé é introspectiva - uma pessoa deve olhar para dentro de suas próprias boas obras, a fim de ser justificado. O Breve Catecismo, por outro lado, argumenta que a fé é extrospectiva - os pecadores olham para fora de si, para a obra perfeita e completa de Cristo para a sua justificação. Mas o que, especificamente, os pecadores recebem somente pela fé?
O primeiro benefício da justificação é que Deus perdoa todos os nossos pecados passados, presentes e futuros. Os teólogos mencionam a citação que Paulo fez do Salmo 32: “Bem-aventurado aquele cuja iniquidade é perdoada, cujo pecado é coberto” (Romanos 4:7,  Salmo 32:1). O segundo benefício da justificação é a aceitação do pecador como justo aos olhos de Deus "apenas pela justiça de Cristo imputada a nós". Ter o status de “justo” conferido a si mesmo é bastante surpreendente. Quando um juiz declara uma pessoa inocente, isso simplesmente significa que ele não é culpado de ter quebrado a lei. Mas, se um juiz declara uma pessoa justa, significa que não somente ela é inocente de violar a lei, mas também que ela cumpriu a exigência da lei. Tomemos como exemplo o roubo. Para uma pessoa ser justa nesse caso, ela deve abster-se de roubar. Mas, além disso, ela também deve proteger os bens dos outros. Ela deve atender as demandas negativas e positivas da lei contra o roubo. Por justificação, um pecador é aceito como justo, não por uma parte da lei, mas por toda a lei - cada mandamento, cada jota e til. Ele é contado como aquele que guardou todas as dimensões de toda a lei. De onde surge essa justiça?
A justiça, ou obediência, pertence a Cristo. Os teólogos citam duas passagens-chave das Escrituras para fundamentar a imputação, ou confirmação, da justiça de Cristo para o crente. Primeiro, eles citam 2 Coríntios 5:21:“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”. De acordo com as Escrituras, Cristo era o Cordeiro imaculado, perfeito e sem pecado (1 Pedro 1:19; Hebreus 4:15). Ainda, Cristo carregou o pecado do seu povo - foi imputado a ele e ele o carregou. A maneira pela qual Cristo foi imputado com o nosso pecado para que ele pudesse suportar a maldição da lei (imputação) é a mesma maneira pela qual recebemos a perfeita obediência de Cristo - seu cumprimento de todas as exigências da lei. Os teólogos citam Romanos 5:19 para este efeito: “Porque, como pela desobediência de um só homem muitos foram constituídos pecadores, assim, pela obediência de um só homem muitos serão constituídos justos” (versão do autor). A desobediência de Adão foi imputada a todos os que estão unidos a ele, e a obediência de Cristo, o último Adão, é imputada a todos aqueles unidos a Jesus (1 Coríntios. 15:45).
Nunca os dois devem se encontrar
Se já não estiver aparente, a visão dos teólogos de Westminster sobre a justificação é diametralmente oposta à visão da Igreja Católica Romana. Para Roma, a justificação do pecador é uma tentativa de alquimia doutrinária, tentando misturar as obras de Cristo com as do crente, a fim de produzir o ouro da justificação. A teologia reformada, por outro lado, sistematizada no Breve Catecismo Menor e refletindo o ensino das Escrituras, repousa a justificação do pecador somente sobre a obra de Cristo. O único meio pelo qual a perfeita obra de Cristo é recebida é pela fé somente - sola fide. Nós não temos outra embaixada de paz para encontrar abrigo da justa ira de Deus, a não ser na perfeita justiça e sofrimento de Cristo, e não há outra ponte entre o homem e Cristo, somente a fé.

Sola Gratia – Série 5 Solas



Sola Gratia

Guy Prentiss Waters
“Maravilhosa Graça! Quão doce o som que salvou um miserável como eu!”; “Maravilhosa graça do nosso amado Senhor, a graça que excede o nosso pecado e a nossa culpa”. “Maravilhosa graça de Jesus, maior do que todos os meus pecados, como a minha língua deveria descrevê-lo, por onde deveria começar o seu louvor?”.
Os cristãos adoram cantar sobre a graça salvadora de Deus – e com razão. João nos diz que de Jesus “todos nós temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça” (João 1:16). Muitas das cartas do Novo Testamento começam e terminam com os escritores expressando seu desejo de que a graça de Jesus estivesse com o seu povo. As últimas palavras da Bíblia são: “A graça do Senhor Jesus seja com todos. Amém” (Apocalipse 22:21).
Os reformadores entenderam a importância da graça de Deus para o ensino bíblico sobre a salvação. De fato, um dos lemas que vieram a definir o ensino da Reforma era sola gratia, que é o latim para “somente pela graça”. Os cristãos são salvos somente pela graça de Deus.
Entre os protestantes, existe uma conhecida incompreensão e uma distorção do ensino da Igreja Católica Romana sobre a graça. Às vezes é dito: “Roma ensina que somos salvos pelas obras, mas os protestantes ensinam que somos salvos pela graça”. Esta declaração, mesmo sendo comum, é uma calúnia contra a Igreja Católica Romana. Roma não ensina que alguém é salvo pelas obras à parte da graça de Deus. Ela, de fato, ensina que uma pessoa é salva pela graça de Deus.
A que, então, Roma objetou no ensino dos reformadores? Onde está a linha que diferencia Roma da Reforma? Encontra-se em uma única palavra – sola (“somente”). Os reformadores sustentavam que o pecador é salvo pela graça de Deus, o seu favor imerecido, somente. Essa doutrina significa que nada que o pecador fizer pode trazer-lhe o mérito para obter a graça de Deus, e que o pecador não coopera com Deus, a fim de merecer a sua salvação. A salvação, do começo ao fim, é o dom soberano de Deus para os indignos e não merecedores. Conforme Paulo escreveu aos cristãos de Corinto que estavam inclinados a vangloriar-se: “Pois quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” (1 Coríntios. 4:7). Ninguém pode estar diante de Deus e dizer: “Olhe para mim e veja o que eu fiz!” Deus não é devedor de ninguém, nem mesmo em matéria de salvação (Romanos 11:35).
Uma passagem da Escritura na qual a doutrina da salvação somente pela graça brilha é Efésios 2:1-10. Paulo escreveu aos Efésios, depois de ter ministrado entre eles por cerca de três anos (Atos 20:31). Está claro a partir do livro de Atos dos Apóstolos que Paulo dedicou-se profundamente a pregar e ensinar a Palavra de Deus para eles (19:8-10, 20:20-21).
A carta aos Efésios nos dá um vislumbre do banquete de ensino que Paulo havia colocado diante daquela igreja. No primeiro capítulo, Paulo leva-nos para os “lugares celestiais” (1:3). Ele nos mostra o plano do Pai para salvar os pecadores através da obra de seu Filho, uma obra que é aplicada e garantida pelo Espírito. Este plano é um plano generoso – o Pai “nos abençoou em Cristo com todas as bênçãos espirituais” (v. 3). Acima de tudo, Paulo enfatiza como esse plano de redenção redunda em louvor da gloriosa graça de Deus (vv. 6, 12, 14).
Depois de uma pausa para agradecer a Deus e interceder pelos Efésios, Paulo aplica as realidades celestiais de 1:3-14 às nossas vidas cristãs individuais em 2:1-10. Ele destaca duas vezes o fato de que “pela graça sois salvos” (2:5, 8). Como é a graça de Deus evidente na salvação? Nós vemos a graça de Deus em evidência, Paulo diz, quando Deus faz com que o morto viva em Cristo. Para apreciar plenamente a graça de Deus, vamos considerar a partir de Efésios 2:1-10 o que significa estar “morto” e o que significa estar “vivo”.
Quem são os “mortos”? Os Efésios estão incluídos. (“Vocês estavam mortos em... delitos e pecados...”, v.1). Inclui Paulo e seus companheiros judeus. (“Nós todos vivíamos nas paixões da nossa carne”, v. 3). De fato, inclui todo homem, mulher e criança em Adão. (“[Nós] éramos por natureza filhos da ira, como o resto da humanidade”, v.3). A palavra “mortos” inclui pessoas como você e eu.
O que significa estar "morto"? Paulo aponta para três coisas nesta passagem. Primeiramente, isso significa estar sob condenação. Antes de Cristo, estávamos “mortos nos delitos e pecados nos quais [nós] uma vez andávamos”. Deus disse a Adão em Gênesis 2, que a morte é a penalidade para o pecado. Quando violamos a lei de Deus, nós somos culpados perante este Deus santo, e responderemos perante a sua justiça. Em segundo lugar, estar morto significa que estávamos debaixo do jugo. Servíamos a três mestres: o mundo (“seguir o curso deste mundo”, 2:2), a carne (“todos nós vivíamos segundo as paixões da nossa carne, realizando os desejos do corpo e da mente”, 2:3), e o Diabo (“seguindo o príncipe do poder do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência”, 2:2). Em terceiro lugar, estar morto significa que estávamos sob a ira. Nós “éramos por natureza filhos da ira, como o resto da humanidade” (2:3). Estávamos justamente sujeitos ao descontentamento santo de Deus por causa do nosso pecado. Éramos assim “por natureza” - em outras palavras, nascemos nessa condição.
Muitos não aceitam esse ensinamento. Fora da igreja, muitos assumem que as pessoas são basicamente boas. Elas tendem a acreditar, pelo menos implicitamente, que se dermos às pessoas uma educação adequada, os exemplos ou leis, então eles vão seguir o caminho certo. Leis justas, exemplos nobres e educação adequada são inestimáveis, mas são impotentes para mudar um coração comprometido com sua rebelião contra Deus. Dentro da igreja, muitos já disseram e ainda dizem que as pessoas estão doentes, e até mesmo desesperadamente doentes. No entanto, ainda diz-se a esses doentes que eles têm os recursos necessários para responder e cooperar com a graça de Deus. Mas Paulo não diz que estamos doentes. Ele diz que, longe de Cristo, nós estamos mortos. Espiritualmente falando, somos cadáveres no chão, sem Jesus. Não podemos nos aproximar de Deus, assim como um cadáver não pode reunir forças para sair de seu túmulo. Assim é o quão ruim estamos quando estamos longe de Cristo.
Felizmente, Paulo não termina por aí. Começando no versículo 4, Paulo se volta de nós para Deus, do mal que fizemos para o bem que Deus está fazendo em Cristo. Ele destaca três coisas sobre a graça de Deus no resto desta passagem:
Primeiro, ele nos aponta para a obra de Deus nos versículos 5-6: “Deus nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos – e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar com ele nos lugares celestiais em Cristo Jesus”. Deus ressuscitou Cristo dentre os mortos e o fez assentar-se à sua direita (1:18-20), e ele nos fez algo incrível em nossa união com Cristo. Deus, Paulo disse, fez os mortos viverem. Isso é o que evoca a exclamação de Paulo: “Pela graça sois salvos” (2:5).
Em segundo lugar, Paulo nos aponta para a motivação de Deus. Por que Deus fez o morto reviver? Não foi por causa de nossas obras, Paulo diz no versículo 9, nem as obras que fizemos antes de nos tornarmos cristãos, nem as obras que temos feito depois que nos tornamos cristãos. Caso contrário, poderíamos ter motivo para “nos gloriar” (v. 9). Em vez disso, Paulo diz, Deus nos deu vida por causa de sua “misericórdia”, de seu “grande amor com que nos amou” (v. 4). Paulo sai do seu caminho para incutir em nós que o próprio amor e a misericórdia de Deus são a fonte da nossa salvação.
Em terceiro lugar, Paulo nos aponta para o propósito de Deus. Com que propósito Deus fez o morto reviver? Paulo diz no versículo 7, foi para que possamos colocar em exposição, tanto agora como na eternidade, as “riquezas imensuráveis ??da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus”. Como podemos fazer isso? Através da exposição em nossas vidas da obra prima de nosso Criador e Redentor - fomos “criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (v. 10).
Nós somos salvos, então, sola gratia – somente pela graça de Deus. Longe de levar-nos a abraçar uma vida de libertinagem e imprudência moral, a graça de Deus no evangelho nos leva a buscarmos uma vida de consagração e santidade. Por que isso acontece? O grande compositor de hinos, Isaac Watts, capturou bem o ponto de Paulo quando escreveu em seu hino “Quando eu vejo a maravilhosa cruz”: “Se toda a criação me pertencesse, ainda assim seria um presente muito pequeno, se comparado ao amor tão incrível, tão divino, que exigiria a minha alma, a minha vida, o meu tudo”. Pense nisso da próxima vez que cantar sobre a graça de Deus.

Sola Scriptura – Série 5 Solas



Sola Scriptura

Michael Kruger
Vivemos em um mundo cheio de reivindicações de verdades concorrentes. Todos os dias, somos bombardeados com declarações de que uma coisa é verdadeira e a outra, falsa. Dizem-nos no que acreditar e no que não acreditar. Pedem-nos que nos comportemos de um jeito ao invés de outro. Em sua coluna mensal “O que eu sei com certeza”, Oprah Winfrey nos diz sobre como lidar com as nossas vidas e relacionamentos. A página editorial do New York Times nos diz regularmente qual abordagem devemos usar nas grandes questões morais, jurídicas ou de políticas públicas de nossos dias. Richard Dawkins, o ateu e evolucionista britânico, nos diz como pensar a respeito de nossas origens históricas e nosso lugar no universo.
Como filtraremos todas essas alegações? Como as pessoas sabem o que pensar sobre relacionamentos, moralidade, Deus, origem do universo e muitas outras questões importantes? Para responder a essas perguntas, as pessoas precisam de algum tipo de norma, padrão ou critério ao qual possam recorrer. Em outras palavras, precisamos de uma autoridade máxima. É claro que todo mundo tem algum tipo de norma suprema à qual recorrer, quer estejam cientes ou não do que essa norma venha a ser. Algumas pessoas recorrem à razão e à lógica para julgar essas alegações de verdade concorrentes. Outras recorrem ao senso de experiência. Outros recorrem a si mesmos e ao seu próprio senso subjetivo das coisas. Embora haja alguma verdade em cada uma dessas abordagens, os cristãos têm historicamente rejeitado todas elas como o padrão definitivo para o conhecimento. Em vez disso, o povo de Deus tem afirmado universalmente que há apenas uma coisa que pode legitimamente funcionar como o padrão supremo: a Palavra de Deus. Não pode haver nenhuma autoridade maior que o próprio Deus.
É claro que não somos a primeira geração de pessoas a enfrentar o desafio das reivindicações de verdades concorrentes. Na verdade, Adão e Eva enfrentaram um dilema no início. Deus havia dito claramente a eles: “Certamente morrerás”, se comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:17). Por outro lado, a Serpente disse o oposto a eles: “É certo que não morrereis!” (3:4). Como Adão e Eva deveriam ter julgado essas alegações discordantes? Pelo empirismo? Pelo racionalismo? Através daquilo que parecia certo para eles? Não, havia apenas um padrão ao qual eles deveriam ter recorrido para tomar essa decisão: a palavra que Deus havia falado a eles. Infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Em vez de olhar para a revelação de Deus, Eva decidiu investigar ainda mais as coisas por si mesma: “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos... tomou-lhe do fruto e comeu” (3:6). Não se engane, a queda não foi apenas uma questão de Adão e Eva terem comido o fruto. Na sua essência, a queda tratou-se de o povo de Deus ter rejeitado a Palavra de Deus como o padrão máximo para toda a vida.
Mas se a Palavra de Deus é o padrão máximo para toda a vida, a próxima pergunta é crucial: aonde iremos para conseguir a Palavra de Deus? Onde ela pode ser encontrada? Esta questão, é claro, nos leva a um dos debates centrais da Reforma Protestante. Ao mesmo tempo que as autoridades da Igreja Católica Romana concordavam que a Palavra de Deus era o padrão máximo para toda a vida e doutrina, eles acreditavam que essa palavra podia ser encontrada em locais fora das Escrituras. Roma reivindicou uma estrutura de autoridade de três partes, que incluía a Escritura, a tradição e o Magistério. O componente principal desta estrutura de autoridade era o próprio Magistério, que é o magistério oficial da Igreja Católica Romana, manifestado principalmente no papa. Porque o papa era considerado o sucessor do apóstolo Pedro, seus pronunciamentos oficiais (ex cathedra) eram considerados como as palavras do próprio Deus.
Foi neste ponto que os Reformadores mantiveram-se firmes. Apesar de reconhecerem que Deus havia entregado sua Palavra ao seu povo de várias maneiras antes da vinda de Cristo (Hebreus 1:1), eles argumentaram que não devíamos mais aguardar a revelação contínua, agora que Deus havia falado finalmente através do seu Filho (v. 2). A Escritura é clara quanto ao dom apostólico ter sido projetado para executar uma tarefa única e histórico-redentiva: estabelecer as bases da igreja (Efésios 2:20). A atividade de estabelecimento da fundação realizada pelos Apóstolos consistia principalmente em dar à igreja um depósito de ensino autorizado que testemunhasse a grande obra redentora de Cristo. Assim, os escritos do Novo Testamento, que são a personificação permanente do ensino apostólico, devem ser vistos como a última parcela da revelação de Deus para o seu povo. Esses escritos, juntamente com o Antigo Testamento, são os únicos que são corretamente considerados a Palavra de Deus.
Esta convicção de sola Scriptura - somente as Escrituras são a Palavra de Deus e, portanto, a única regra infalível para a vida e doutrina - fornecia o combustível necessário para inflamar a Reforma. Na verdade, foi considerada como a “causa formal” da Reforma (considerando que sola fide, ou “somente a fé”, foi considerada como a “causa material”). Os pontos de vista desta doutrina são personificados no famoso discurso de Martinho Lutero na Dieta de Worms (1521), depois que ele foi convidado a retratar os seus ensinamentos:
A menos que possa ser refutado e convencido pelo testemunho da Escritura e por claros argumentos (visto que não creio no papa, nem nos concílios; é evidente que todos eles frequentemente erram e se contradizem); estou conquistado pela Santa Escritura citada por mim, minha consciência está cativa à Palavra de Deus. Não posso e não me retratarei, pois é inseguro e perigoso fazer algo contra a consciência...Que Deus me ajude. Amém!
Para Lutero, as Escrituras, e somente as Escrituras, eram o árbitro máximo do que devemos acreditar.
Claro que, como muitas convicções cristãs fundamentais, a doutrina da Sola Scriptura tem sido mal-entendida e mal-aplicada. Infelizmente, alguns têm usado sola Scriptura como justificativa para um tipo de individualismo “eu, Deus e a Bíblia”, onde a igreja não tem nenhuma autoridade real, e a história da igreja não é considerada ao interpretar e aplicar a Escritura. Assim sendo, muitas igrejas hoje são quase “ahistóricas” - separadas inteiramente das ricas tradições, credos e confissões da igreja. Eles entendem erroneamente que sola Scripturasignifica que a Bíblia é a única autoridade em vez de compreender que isso significa que a Bíblia é a única autoridade infalível. Ironicamente, tal abordagem individualista na verdade enfraquece a própria doutrina que a sola Scriptura pretende proteger. Ao enfatizar a autonomia do crente, fica-se apenas com conclusões particulares, subjetivas sobre o que a Bíblia quer dizer. Não é tanto a autoridade das Escrituras que é valorizada, mas a autoridade do indivíduo.
Os Reformadores não teriam reconhecido tal distorção como a doutrina da sola Scriptura em que criam. Pelo contrário, eles estavam bastante dispostos ??a confiar nos pais da igreja, nos conselhos da igreja e nos credos e confissões da igreja. Tal embasamento histórico foi encarado não apenas como um meio para manter a ortodoxia, mas também como um meio para manter a humildade. Ao contrário da percepção popular, os Reformadores não se viam como se estivessem trazendo algo novo. Em vez disso, eles entendiam que estavam recuperando algo muito antigo - algo que a igreja tinha acreditado inicialmente, mas que depois havia se torcido e distorcido. Os Reformadores não eram inovadores, mas escavadores.
Existem outros extremos contra os quais a doutrina da sola Scripturanos protege. Embora queiramos evitar a postura individualista e “ahistórica” de muitas igrejas hoje, a sola Scriptura também nos protege de elevarmos credos e confissões ou outros documentos humanos (ou ideias) ao nível das Escrituras. Devemos estar sempre atentos para não cometermos o mesmo erro de Roma, que abraçou o que poderíamos chamar de “tradicionalismo”, que tenta vincular as consciências dos cristãos a áreas que a Bíblia não vincula. Nesse sentido, a sola Scriptura é uma guardiã da liberdade cristã. Mas o maior perigo que enfrentamos quando tratamos da sola Scriptura é entendê-la de forma errada. O maior perigo é esquecê-la. Somos propensos a pensar nessa doutrina puramente em termos de debates do século XVI - apenas um vestígio das antigas batalhas entre católicos e protestantes, e irrelevantes para os dias de hoje. Mas, nos dias de hoje, a igreja protestante precisa dessa doutrina mais do que nunca. As lições da Reforma têm sido esquecidas em sua maioria e a igreja, mais uma vez, começou a confiar em autoridades supremas fora das Escrituras.
A fim de levar a igreja de volta à sola Scriptura, temos de perceber que não podemos fazer isso apenas através do ensino da doutrina em si (embora devamos fazer isso). Antes, a principal maneira para levar a igreja de volta é, de fato, pregando as Escrituras. Somente a Palavra de Deus tem o poder de transformar e reformar nossas igrejas. Portanto, não devemos apenas falar sobre a sola Scriptura, mas devemos demonstrá-la. E quando assim o fizermos, devemos pregar toda a Palavra de Deus - sem escolher as partes que preferimos ou pensar no que nossas congregações querem ouvir. Devemos pregar apenas a Palavra (sola Scriptura), e devemos pregar toda a Palavra (tota Scriptura). As duas doutrinas andam lado a lado. Quando elas são unidas, no poder do Espírito Santo, podemos ter a esperança de uma nova reforma.